10.01.12, Público, Luísa Pinto
Com muitas dificuldades e extrapolações, mas através de uma metodologia
que é amplamente explicada no estudo que ontem divulgou, a Associação
de Empresas de Construção Civil e Obras Públicas (AECOPS), presidida
por Ricardo Pedrosa Gomes, quantifica em 200 mil milhões de euros a
globalidade das carências que existem em Portugal em matéria de obras
de reabilitação e conservação de todo o património edificado.
O estado calamitoso a que chegou o património edificado em Portugal
reflecte não só a contínua aposta em construção nova, de edifícios e
infra-estruturas, mas também a pouca tradição e preocupação, do Estado
e dos privados, em zelar pela manutenção do que existe, apesar do
imperativo legal que os condicionaria a fazê-lo. Em matéria de volume
de investimento em reabilitação de edifícios, e no conjunto dos 14
países em que existem dados disponíveis, Portugal só não é o país que
menos investe em reabilitação (apenas 6,6 por cento do investimento na
construção não é dedicado à construção nova) porque existe um país
chamado Roménia que investe apenas 5,5 por cento na reabilitação.
Essas carências inventariadas envolvem, então, não só os edifícios, mas
também as infra-estruturas, e ajudam a delinear os contornos de uma
realidade que é há muito tema de discursos e de debate político, mas
que teve, até agora, uma execução reduzida.
"Numa altura em que se discute qual deve ser o modelo de
desenvolvimento sustentável da economia portuguesa, quisemos trazer um
contributo que permita apontar um caminho. Este estudo materializa um
alerta mas também aponta caminhos e soluções", explica ao PÚBLICO
Fernando Paes Afonso, director geral da AECOPS, ao introduzir a defesa
de um plano de intervenção no património edificado que possa ser
executado a 20 anos. E que poderá trazer fluxos positivos para as
contas públicas já a partir do seu terceiro ano de aplicação.
O director-geral da AECOPS assume que o estudo é também "uma espécie de
provocação", que possa detonar nas entidades públicas a necessidade de
inventariar o seu património e adequar a sua gestão às necessidades. "É
muitas vezes questionada como poderá ser financiada a reabilitação dos
edifícios públicos. Nós fomos encontrar no relatório preliminar dos
edifícios públicos que já foram inventariados pela administração fiscal
que cada funcionário público ocupa, em média, uma área de 114 metros
quadrados. Tal número demonstra que há espaço em excesso. Não temos
dúvidas de que a libertação de áreas subocupadas e a sua colocação no
mercado permitiria financiar algumas obras", argumenta Paes Afonso,
adiantando que também não tem dúvidas noutro aspecto: a liberalização
das rendas antigas, e a subsidiação das famílias que precisassem de
apoio ao arrendamento, tornaria as operações de reabilitação urbana
viáveis do ponto de vista económico e financeiro.
Estado sairia a ganhar
O programa de "reabilitação sistemática do património existente"
proposto pela AECOPS não se limita a desfiar a necessidade de
intervenções, que engloba desde os centros urbanos aos monumentos
nacionais.
O estudo ontem divulgado também propõe algumas medidas de natureza
legislativa e fiscal "que seriam muito bem-vindas se fossem acolhidas
já no próximo Orçamento do Estado", admite Paes Afonso. A aposta no
segmento da reabilitação, por significar uma necessidade intensiva de
mão-de-obra (em média, dois terços do custo de reconstrução de um
edifício está na mão-de-obra), também permitiria um impacto
considerável na criação de emprego, que pode chegar ao meio milhão de
postos de trabalho, e provocaria "só por si um aumento de meio ponto
percentual no crescimento do Produto Interno Bruto".
O estudo da AECOPS também quantificou as receitas tributárias que o
Estado poderia encaixar com a execução de um programa desta
envergadura, que atingiriam 45 mil milhões de euros e cobririam em
larga escala as "despesas" que o Estado deveria assumir caso acatasse
as sugestões feitas pela AECOPS - e que estão quantificadas em oito mil
milhões de euros. As medidas propostas pela Associação para promover a
reabilitação deverão implicar a perda de 2348,6 milhões de euros de
receita fiscal no seu primeiro ano de aplicação, sendo que a parcela
que mais contribui para a perda de receitas é a aplicação de um taxa de
IVA reduzido aplicável a todos os trabalhos de reabilitação.
Um arranque em quatro passos
No estudo feito pela associação liderada por Ricardo Pedrosa Gomes
surge concretizada uma série de medidas que, se executadas, poderiam
ajudar a tornar viável, do ponto de vista económico e financeiro, o
arranque das operações de requalificação do património e
infra-estruturas e da reabilitação urbana. Através de quatro
medidas-objectivo, a associação propõe pouco mais de duas dezenas de
iniciativas concretas para as alcançar.
O lançamento das obras por parte do Estado surge à cabeça, com a
Associação Empresarial a defender que programas como o da reabilitação
do parque escolar possam ser replicados em outras áreas e assim
permitir intervenções sistematizadas em esquadras, prisões, hospitais,
edifícios administrativos.
Com o Estado a dar o exemplo, a captação do investimento privado por
parte de proprietários, promotores imobiliários, investidores e
construtores poderia ser conseguido através "da criação e reforço de
incentivos fiscais". Por exemplo, através de mecanismos semelhantes ao
que vigorou nas contas poupança-habitação. O estímulo ao mercado de
arrendamento é outro item que se afigura fundamental nestas
recomendações e deverá ser executado através das alterações ao novo
regime de arrendamento urbano (que permitam a liberalização das rendas
antigas, a simplificação dos despejos e a celeridade da acção
executiva). "
É assumidamente mais barato para a sociedade financiar as famílias que
não tenham capacidade de enfrentar rendas liberalizadas do que deixar
cair o património", defende o director-geral da AECOPS, Fernando Paes
Afonso. A entrada em vigor do Regime Jurídico de Reabilitação Urbana
carece, agora, segundo a AECOPS, de uma "cuidada regulamentação" e a
criação de um sistema de incentivos e apoios consistentes", sem
descurar a necessária simplificação e agilização dos procedimentos
necessários.
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