09.11.19, Público, Ana Henriques
Um dos autores do plano de urbanização do bairro do Restelo, Nuno Teotónio Pereira, considera "uma aberração" a igreja que, anteontem, começou ali a ser construída. Para este arquitecto, a gravidade do caso deveria levar a Câmara de Lisboa a mandar parar a obra e a exigir outro projecto.
Desenhada pelo arquitecto Troufa Real, a nova igreja do Restelo inclui
uma torre de cem metros de altura em forma de minarete e uma paleta
cromática ousada, com paredes pintadas de dourado, vermelho, verde e
cor-de-laranja. O edifício tem, num dos lados, a forma bojuda de um
barco assente numas cornucópias que imitam ondas, numa alusão à época
dos descobrimentos.
Autor de várias igrejas - uma das quais, a do Sagrado Coração de Jesus,
em Lisboa, classificada como monumento nacional -, Teotónio Pereira não
tem dúvidas sobre a obra que está a nascer no Restelo: "Ofende de forma
muito grave a paisagem urbana e os princípios basilares da arquitectura
contemporânea."
No seu entender, o projecto está completamente desenquadrado do
conjunto urbano que planeou juntamente com Nuno Portas, nos anos 70, e,
se for por diante, vai descaracterizar toda a encosta que se estende
até ao rio. "Pela sua dimensão excessiva para as necessidades do local
e pelo seu custo, nunca acreditei que fosse construído", admite. "E, do
ponto de vista da arquitectura religiosa, parece-me um completo
disparate. A arquitectura das igrejas deve pautar-se pela pureza de
formas e pela beleza".
"Espanta-me por isso que o patriarcado e a própria câmara tenham
consentido na sua construção", prossegue. "A câmara deveria estar
vigilante e defender os interesses da cidade".
Movimento de opinião
Teotónio Pereira ressalva que lhe custa estar a criticar a obra de um
colega - até porque partilha do princípio de que a liberdade de criação
dos arquitectos não deve ser limitada. "Mas, perante este caso, não
posso ficar em silêncio", observa. "Devia formar-se um grande movimento
de opinião para impedir esta obra".
O PÚBLICO tentou ontem perceber os meandros da aprovação deste
projecto, cujos passos decisivos foram dados nos mandatos de João
Soares e de Santana Lopes. Mas a consulta do respectivo processo
camarário não foi esclarecedora (ver caixa). Tentámos, igualmente,
chegar à fala quer com Troufa Real, quer com a vereadora de Santana
Lopes que aprovou o projecto de arquitectura, Eduarda Napoleão, sem
sucesso. Igualmente infrutíferas foram as tentativas para obter
declarações por parte do actual vereador do Urbanismo, o arquitecto
Manuel Salgado.
Em 2007, a propósito da escultura de Rui Chafes que o escritório de
advogados de José Manuel Júdice colocou em frente à sua sede, na
Avenida da Liberdade, o presidente da autarquia, António Costa,
mostrou-se de acordo com uma sugestão do PCP para a constituição de uma
comissão municipal de estética. Este organismo serviria para evitar a
profusão de "mamarrachos". A comissão, que de resto se destinava apenas
à arte pública, acabou por não vingar.
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