09.11.18, Público, José António Cerejo
O ambiente não podia ser pior entre os mais de 300 arquitectos dos quadros da Câmara Municipal de Lisboa (CML). Primeiro foi a sindicância ao Urbanismo que, no início de 2008, lançou sobre eles uma suspeita generalizada, com base em alguns casos de corrupção indiciados. Daí para cá o mal-estar não cessou de se agravar, sobretudo com a recusa da autarquia em lhes pagar as quotas (cerca de 15 euros por mês) devidas à Ordem.
Esta questão assumiu importância porque a inscrição na OA - e em todas
as entidades do género - passou a ser exigida pela câmara, desde o
início de 2006, a todos cujas profissões são reguladas "por ordens e
associações profissionais em que vigore o regime da obrigatoriedade de
inscrição".
Estão nesse caso, entre outros, os engenheiros, os economistas, os
médicos veterinários e, obviamente, os advogados. O despacho de então,
do ex-presidente Carmona Rodrigues, concretizava aquilo que a lei e os
estatutos das ordens determinam. E implica que a admissão aos concursos
para contratação exige a prévia inscrição na ordem respectiva, ou que
quem já estava em funções tinha de se inscrever.
Puro "terrorismo"
Enquanto que nas restantes profissões a exigência não gerou conflitos
conhecidos, entre os arquitectos o alvoroço foi geral. Sobretudo a
partir de Dezembro de 2008, momento em que muitos deles começaram a
receber cartas da Ordem em que eram ameaçados, em termos extremamente
duros, com processos disciplinares, suspensões, "impedimento da prática
de actos próprios da profissão" e até com a penhora dos seus bens, caso
não pagassem as quotas.
Tudo isso acompanhado da informação de que a sua Secção Regional Sul já
tinha contratado um escritório de advogados para tratar dos processos.
O escritório escolhido foi precisamente o CSA - Correia, Seara, Caldas
e Associados, que tinha entre os seus sócios a directora do
Departamento Jurídico da Câmara de Lisboa, Paula Pires Coelho, e um
outro jurista do mesmo departamento camarário, Francisco Gambôa .
Foi uma acção de puro "terrorismo", escreveu na altura, em mails que
dirigiu a todos os seus colegas da CML e à Ordem, o arquitecto João
Couceiro, um dos primeiros a insurgirem-se - pondo aliás a tónica no
comportamento da OA.
No início de 2009, o descontentamento alastrou e foi lançada uma
petição dirigida ao Provedor de Justiça, que reuniu em poucos dias as
assinaturas de 84 arquitectos do município, mais de um terço do total.
Nesta altura a guerra já era mais vasta e abrangia, nomeadamente, o
facto de muitos outros técnicos superiores do município não estarem
obrigados a inscreverem-se em ordens e de os arquitectos terem de pagar
do seu bolso para trabalhar. Mas abordava sobretudo aquilo que
consideram uma discriminação e que tem sido largamente discutido num
blogue entretanto criado (oarquitectodacml.blogspot.com). Isto porque
chegaram à conclusão de que no caso dos advogados da câmara, quem paga
as suas quotas (mesmo quando exercem a actividade privada, o que aliás
é ilegal) é o próprio município.
Da resposta do Provedor de Justiça pouca ou nada saiu porque este se
limitou a remeter o assunto para a CML. Das exposições e cartas
pessoais dirigidas por alguns deles ao presidente da Câmara, também
nada veio de concreto. A não ser, nalguns casos, o reenvio para vários
serviços das suas missivas, que eram particulares e continham dados
pessoais relativos à vida dos seus autores.
Pela parte da OA o clima distendeu-se com uma reunião com a presidente
da Secção Regional Sul, Cintra Gomes, mas o assunto continua por
resolver. Para o presidente da Ordem, João Rodeia, a questão é simples:
"Quem pratica actos próprios da profissão de arquitecto tem de estar
inscrito e pagar as quotas. Se um arquitecto não pratica esses actos,
porque está afecto a outros serviços, não tem de estar inscrito, ou
pode pedir a suspensão. Sobre quem paga a quota isso é uma questão a
discutir com a entidade empregadora".
Clima de mal-estar
Este sentimento de discriminação veio agravar o clima de mal-estar que
já se instalara com a substituição de chefias, que levantou dúvidas.
Parte dos que foram afastados não eram sequer referidos no relatório da
sindicância, nem sobre eles incidiam suspeitas de incumprimento das
suas obrigações profissionais ou legais. A explicação dada, que
desagradou a muita gente, foi a de que suas funções exigiam
responsáveis da confiança da nova maioria, dirigida por António Costa.
E estes surgiram, em grande parte dos casos, de um núcleo de dirigentes
e técnicos "exilados", que após a derrota de João Soares (2001), se
refugiaram na Câmara de Loures e outras governadas pelo PS na Grande
Lisboa. Poucos meses depois apareceu a Ordem dos Arquitectos (OA) a
lembrar, no seu jornal, que todos os membros tinham a obrigação legal
de pagar as quotas fixadas nos estatutos. E que, face à existência de
muitos atrasos, iria ser iniciado um processo de negociação, caso a
caso.
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