10.11.10, Público, José António Cerejo
O presidente da Ordem dos Arquitectos, João Rodeia, não está satisfeito com a forma como Manuel Salgado, vereador do Urbanismo na Câmara de Lisboa, arrumou a polémica da concentração em apenas quatro autores de centenas de processos de licenciamento entre 2004 e 2007. Como o PÚBLICO já noticiou, Salgado decidiu não levar por diante a "reapreciação jurídico-técnica" de todos esses dossiers - que a câmara deliberou mandar fazer em Janeiro de 2008 - por considerar a tarefa "impraticável", devido à sua dimensão, uma vez que se tratava de "cerca de mil processos".
A questão foi levantada no relatório da sindicância aos serviços de
Urbanismo e centrava-se no facto de o ranking dos arquitectos que mais
projectos apresentaram à CML em 2006 ter à cabeça duas jovens (uma com
31 anos e outra com mais três ou quatro), ambas "com ligações
familiares ou outras a antigos técnicos do município". Para além destas
recordistas, que subscreveram mais projectos do que ateliers com
"dezenas de trabalhadores", havia entre os dez primeiros dois
octogenários, um deles que tem presentemente 84 anos.
Em meados do mês passado, Salgado adiantou que, afinal, o número de
processos desses autores somava perto de 1200 no triénio em causa -
sendo que o director municipal de Gestão Urbanística, Gabriel Cordeiro,
corrigiu essa informação, reduzindo o número para cerca de 800,
enquanto um mapa dos servicos contabilizava apenas 199. Há duas
semanas, o mesmo director esclareceu em reunião de câmara que o número
correcto andaria pelos 500, avançando uma série de explicações técnicas
para tanta confusão.
Embora a sindicância não tenha identificado os quatro arquitectos, o
PÚBLICO localizou-os e confirmou os seus nomes junto de Gabriel
Cordeiro. As explicações ouvidas depois da boca de dois deles e a fraca
credibilidade das informações camarárias, que nem sequer distinguem a
natureza dos processos, ou a área de construção que envolvem, fazem,
porém, pensar que as constatações feitas na sindicância podem ter
várias leituras, que nem sempre passam pelo tráfico de influências ou
outras ilegalidades.
Na perspectiva de João Rodeia todos estes factos reforçam a necessidade
de "esclarecer cabalmente o assunto", defendendo, como já tinha feito
numa carta no PÚBLICO, "que os serviços da CML têm a responsabilidade e
o dever de fazer cumprir a deliberação unanimemente aprovada pelo
executivo", porque "a dúvida não pode persistir" e "todos têm direito
ao bom-nome" até prova em contrário.
Anteontem, Rodeia acrescentou que, ao contrário do que Salgado antes
afirmou, a Ordem nunca recebeu nenhum pedido de colaboração da câmara
para reanalisar os processos em causa, razão pela qual não o poderia
ter rejeitado "por falta de meios", como disse o vereador.
"Informalmente foi-nos pedido para colaborarmos com a câmara na área
dos licenciamentos, mas sobre este assunto nunca falámos", concluiu.
Gabriel Cordeiro, por seu turno, insistiu em que, embora não tenha sido
ele a fazê-lo, "foi feito um contacto informal com alguém dos órgãos
directivos da Ordem [sobre a reapreciação daqueles processos]", que
também não sabe quem seja.
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