Expresso, 09.10.31
O loteamento do Benfica, as Twin Towers, a parte habitacional do Corte Inglés e os edifícios dos shoppings Saldanha Residence e Amoreiras Plaza são alguns dos empreendimentos construídos na capital nos últimos anos que violam o Plano Director Municipal (PDM). As conclusões são dos próprios serviços camarários, em dois relatórios apreciados nesta semana pela vereação.
No total, de 77 projectos que deveriam ter sido reanalisados, apenas em
25 (menos de um terço) não se regista qualquer tipo de irregularidade.
O grupo de trabalho da Câmara encarregado da peritagem ficou impedido
de aceder a 13 dossiês, pois a documentação está nos tribunais ou na
unidade especial de investigação da PGR, por indícios que extravasam o
âmbito administrativo. Em 26 casos houve mesmo violação do PDM — dezena
e meia dos quais com edifícios já construídos ou em construção. Houve
ainda irregularidades de menor gravidade.
Gabriel Cordeiro, director municipal da Gestão Urbanística, que nomeou
o grupo de trabalho — com arquitectos, juristas e engenheiros —, traça
um quadro negro: houve “deficiências” na “generalidade dos
procedimentos”, “lacunas quanto à verificação e interpretação dos
instrumentos legais e regulamentares” e mesmo, em certos casos,
“ausência e debilidade de actos de fiscalização”.
Noutra parte das conclusões, Cordeiro sublinha que a “violação” do PDM
é “susceptível de induzir declaração de nulidade dos respectivos actos
administrativos”.
Um quadro teórico que coloca uma questão bem prática:
o que fazer perante edifícios em uso desde há bastante tempo?
“Se está construído, não se pode deitar abaixo. A avaliação do
custo-benefício não deixa outra saída. É uma questão de bom senso”,
disse ao Expresso o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado.
“Sucederam-se decisões camarárias que, embora erradas, garantiram
direitos. Por isso, há que pesar bem as coisas”, acrescenta. O autarca
afirma, no entanto, que “ a Câmara tem de actuar de forma mais eficaz
no cumprimento da legalidade. Eu próprio já mandei demolir andares”.
Além de serem enviados para as ordens profissionais (arquitectos e
engenheiros), os relatórios serão tornados públicos, podendo haver
matéria para outras investigações. E há procedimentos disciplinares a
correr na autarquia.
Os dois relatórios mostram como diversos serviços camarários — por
vezes mesmo o despacho do vereador ou a deliberação do executivo —
deram luz-verde a licenciamentos, ou não detectaram infracções, que
violam o PDM.
Mais do que uma força política, é o funcionamento de toda a instituição
camarária que fica em xeque.
Os casos em apreço atravessam os mandatos
de João Soares, Pedro Santana Lopes e António Carmona Rodrigues. Mas o
processo do loteamento do Benfica foi iniciado em 1989, ainda com Nuno
Kruz Abecasis.
Em algumas situações (como o projecto do Largo do Rato ou a antiga
Fábrica Favorita) foi possível rectificar o curso dos acontecimentos.
“O que se detectou a tempo foi corrigido”, diz Salgado.
A reapreciação técnico-jurídica foi uma recomendação da sindicância.
Além dos dossiês referenciados pela magistrada, os serviços da câmara
fizeram um segundo relatório, sobre processos de licenciamento
indicados pelas diversas forças partidárias.
A sindicância, solicitada por Carmona Rodrigues, em Dezembro de 2006,
foi concluída em Janeiro de 2008. Desde então a autarquia começou a
‘apertar a malha’ e aprovou vários regulamentos, para obstar a práticas
irregulares e até mesmo de corrupção.
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