Público, 01.10.2009, Susana Almeida Ribeiro Belgravia, no centro de Londres, é uma das zonas residenciais mais caras e exclusivas da capital inglesa, a dois passos do Palácio de Buckingham. O preço médio das casas ronda aqui os sete milhões de libras (7,6 milhões de euros), mas facilmente pode atingir os 20 milhões. O multimilionário russo Roman Abramovich, dono do Chelsea, vive na zona, bem como a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher.
Mas as senhoras que passeiam os seus terriers pelas ruas do bairro,
mais concretamente em Chester Square, vão passar a cruzar-se com novos
vizinhos: um grupo de sete “okupas” (em inglês squat), que entraram
numa casa de três andares e não pretendem sair tão depressa.
Os novos ocupantes terão entrado no edifício através de uma janela com
um fecho partido e dizem que a sua acção é perfeitamente legal. Um dos
sete “okupas”, um sul-africano de 29 anos identificado pelo nome de
Jake Tag, comentou ao Telegraph: “Este é o local mais exclusivo de
Londres. Viver aqui é como um sonho tornado realidade. Vamos manter a
casa limpa e arrumada e não iremos causar nenhum estrago. É tudo
perfeitamente legal e nós só queremos criar aqui um bonito lar, numa
casa que está abandonada”.
“Tanta casa sem gente, tanta gente sem casa”, o lema tantas vezes
repetido pelos “okupas”, ganhou aqui uma dimensão de culto: os sem-casa
instalaram-se à sombra da alta-roda, como tem vindo a ser cada vez mais
frequente na capital britânica.
“Nós deveríamos ser autorizados a usar estas casas. Muitas delas estão
vazias e muitas vezes os donos vivem no estrangeiro”, continuou Jake
Tag.
Outro dos novos moradores do prédio, Steven, de 54 anos, disse também
ao diário britânico: “Há imensa gente nas ruas. O Inverno está a chegar
e algumas dessas pessoas irão morrer. Um bom edifício como este deveria
estar disponível para acolher essas pessoas.”
Para que não haja dúvidas, na porta da rua, os “okupas” penduraram um
cartaz em que se pode ler: “Vivemos nesta propriedade. É a nossa casa e
pretendemos cá ficar”.
Um chá com Thatcher
Com Jake Tag vivem outros seis “okupas” – do Nepal, EUA e Roménia –,
que partilham agora uma casa com quatro quartos e duas casas de banho.
Ainda segundo o Telegraph, que cita os novos ocupantes, o edifício
pertence ao sexto duque de Westminster, Gerald Cavendish Grosvenor.
Por enquanto, de má vizinhança não poderão os “okupas” ser acusados.
Desde que chegaram, e apercebendo-se da proximidade da residência de
Margaret Thatcher, fizeram saber que gostariam de receber a
“dama-de-ferro” para um chá. “Não me parece provável que Margaret
Thatcher nos venha pedir um pacote de leite, mas queremos que ela saiba
que é bem-vinda para uma chávena de chá”, acrescentou Tag. “Não tenho
nada de especial para lhe dizer, mas pareceu-me que era a decisão
acertada.”
Parece improvável, porém, que a mulher que conduziu os destinos do
Reino Unido durante 11 anos (1979-1990), à beira de completar 84 anos e
com graves problemas de saúde, aceite o convite.
O realizador Mark James, de 44 anos, que está a produzir um
documentário sobre os “okupas”, disse que, quando os novos inquilinos
se mudaram para junto da casa de Margaret Thatcher, nenhum membro da
sua segurança diplomática, activa 24 horas por dia, deu por nada.
“Tenho a certeza de que residentes da área, como Margaret Thatcher, não
ficarão totalmente satisfeitos com os novos vizinhos, mas estas pessoas
não vão causar estragos, manterão a casa arrumada e estão lá de forma
totalmente legal”, garantiu ainda Mark James.
Legalidade duvidosa
A legalidade desta acção é, porém, duvidosa, uma vez que – apesar de
não ter havido entrada forçada – o grupo está a ocupar propriedade
privada. Em Portugal, o proprietário de uma casa ocupada pode intimar
(sozinho ou com a polícia) os “okupas” a sair. Se as pessoas se
recusarem, estarão a cometer o crime previsto no artigo 190º do Código
Penal (violação de domicílio ou perturbação da vida privada).
Este grupo de “okupas” já foi anteriormente expulso da embaixada do
Sudão, um edifício avaliado em 40 milhões de libras, na zona de
Kensington, também em Londres.
No início deste mês, o grupo The Oubliette ocupou igualmente uma antiga
embaixada mexicana na zona de Mayfair, transformando o edifício num
centro cultural, galeria de exposições e bar.
De acordo com a AFP, o movimento de ocupar casas vazias está a
tornar-se uma tendência com cada vez mais adeptos nos bairros onde mora
a elite londrina. Um grupo de “olheiros” faz patrulhas em diversas
áreas centrais de Londres para identificar casas vazias. Se, durante
três meses, as casas sob vigilância não recebem gente, nessa altura os
“okupas” entram no edifício. A tendência actual parece ser ocupar os
edifícios da Coroa, geridos pelo Estado, 13 por cento dos quais estão
desabitados.
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