Público, 18.09.09, Luísa Pinto Foi uma verdadeira revolução, quase tão silenciosa quanto rápida, e que conduziu a uma inversão de paradigma no sector imobiliário, e revelou um mercado completamente desajustado. Nos meses de Junho e Julho, mais de metade das pessoas que, pelo país fora, procuraram uma solução residencial através das ferramentas de pesquisa disponibilizadas pela Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária em Portugal (APEMIP) procuraram imóveis residenciais para arrendamento.
Esta tendência tem vindo a acentuar-se, desde o inicio deste ano, mas a
oferta de produtos para arrendamento permanece escassa, ao pesar apenas
três por cento dos imóveis que existem em stock, em termos nacionais.
O estrangulamento no acesso ao crédito, que se mantém apesar da baixa
das taxas de juro, está a fazer mais pela reanimação do mercado de
arrendamento do que as alterações legislativas que estão no terreno há
mais de três anos. Mas fê-lo de uma forma tão rápida e eficaz que não
deu tempo ao mercado para se ajustar à procura que agora existe. Estas
conclusões podem ser retiradas depois da consulta ao segundo Catálogo
de Estudos de Mercado que a APEMIP divulgou ontem na abertura do Salão
Imobiliário de Lisboa.
O catálogo revela que, em oito dos 18 distritos
do continente, as pesquisas efectuadas por quem procura casa são
superiores nas soluções de arrendamento, comparativamente à procura de
compra de casa. Algo que demonstra que esta nova dinâmica está cada vez
mais longe de ser um fenómeno circunscrito às áreas metropolitanas de
Lisboa e Porto, ou estritamente relacionada com questões de mobilidade
e de emprego.
Também nas cidades de Braga e de Coimbra a procura de casas para
arrendar é muito superior à procura de habitação - 55,1 por cento no
primeiro caso, e 66,4 por cento no segundo. E se nestas duas cidades
pode haver o factor da procura de alojamentos para estudantes
universitários a contribuir para este desnivelamento, a mesma leitura
não pode ser estendida a cidades como Setúbal, ou Leiria, onde no
bimestre de Junho e Julho a procura de imóveis para arrendar
significou, respectivamente, 55,6 e 50,6 por cento.
A "culpa", disse ontem o presidente da APEMIP, Luís Lima (foto), na
abertura da SIL é, em grande parte, da banca e das restrições aos
financiamentos. "As pessoas procuram casa para arrendar porque não têm
outra opção, depois dos bancos lhe criarem dificuldades no acesso aos
créditos", afirmou. É também por isso que, com pouca oferta, os preços
cobrados no arrendamento permanecem tão elevados - em Lisboa, pode ser
pedida uma renda de mil euros por um T3.
Juros baixam, spread sobe
As dificuldades no acesso ao crédito permaneceram, mesmo depois do
ambicioso corte de taxas directoras por parte do Banco Central Europeu,
que juntamente com outras medidas provocaram uma descida das taxas do
mercado interbancárias, onde diariamente se fixam as Euribor a que
estão indexados os contratos de crédito à habitação.
As taxas estão em mínimos históricos, mas há outros factores que estão
a impedir os consumidores de beneficiar plenamente desta descida. É o
caso da subida dos spreads (margem cobrada pelos bancos), que tem vindo
a subir consideravelmente. Na curva de spreads aplicados aos novos
empréstimos, divulgada no mesmo estudo, pode constatar-se que, no final
do ano de 2008, estas margens atingiram um pico de dois por cento,
níveis que haviam sido abandonados em finais de 2003.
Para além dos spreads mais elevados, os bancos fizeram-se munir de
outras garantias. Por exemplo, abandonando a totalidade de
financiamento do valor do imóvel a comprar, obrigando muitos agregados
familiares a terem de dispor de uma boa quantia de dinheiro para
suportar aquilo que não é emprestado pelo banco. Este é um dos
principais problemas à efectivação da compra, como o PÚBLICO já
confirmou junto de algumas mediadoras imobiliárias. O facto de a banca
ter abandonado a prática de financiar a totalidade do imóvel, e de
obrigar as famílias a terem 20 ou 30 por cento do valor da casa que
pretende adquirir, para além de terem também de pagar todas as despesas
de aquisição (custos com escrituras, registos, etc., que muitas vezes
estavam englobados no contrato de empréstimo), ergueu uma grande
barreira a muitas famílias. Também o aumento do número de casos a
exigir fiadores acaba por trazer entraves à realização de compras.
Esta tendência não é de agora, mas passou a ser mensurável, com a
divulgação deste estudo da APEMIP: a variação percentual do número
médio de escrituras efectuadas em Portugal em 2008 caiu 18,7 por cento
face a 2007.
O estudo sistematiza ainda outros dados relevantes.
Apesar da retórica da aposta na reabilitação, a proporção de edifícios
concluídos para habitação face a construção nova melhorou muito pouco:
em 2001 era de 18,7 por cento: em 2008 foi de 21,9 por cento.
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