Público, 08.09.09, José António Cerejo
A Comissão de Boas Práticas criada pela Câmara de Lisboa em Janeiro de 2008, na sequência da sindicância aos serviços de Urbanismo, ainda não entrou em funções. Formalmente designado na reunião do executivo de 16 de Julho, o seu presidente, Luís Barbosa - que é também presidente da Cruz Vermelha Portuguesa-, disse ontem ao PÚBLICO que desconhecia a sua nomeação, embora confirmasse que foi "sondado" por António Costa para o cargo no início do ano. "Desde então não soube de mais nada", afirmou.
Perante o quadro com que se deparou no sector do Urbanismo, marcado
pela promiscuidade entre o exercício de funções públicas e privadas por
parte de muitos técnicos e dirigentes camarários, a procuradora
Elisabete Matos avançou com a proposta de um vasto conjunto de "medidas
correctivas", entra as quais avultava a criação de um comissão para a
prevenção da corrupção. Semanas depois, a câmara adoptou a ideia por
unanimidade, aprovando a constituição de uma comissão para a promoção
das boas práticas com as características e objectivos propostos pela
magistrada.
Apresentada como uma bandeira das medidas contra a corrupção na
câmara, a comissão seria constituída por "três personalidades de
reconhecida idoneidade" e seria designada por maioria de dois terços
pela Assembleia Municipal. Entre outras competências, teria a missão de
"monitorizar as áreas sensíveis em matéria de risco de corrupção",
"elaborar códigos de conduta e códigos de boas práticas" e "avaliar e
encaminhar as queixas de cidadãos e trabalhadores".
Em Junho de 2008, a Assembleia Municipal aprovou por unanimidade
uma deliberação que acompanhava no essencial a proposta camarária, mas
devolvia à câmara a responsabilidade de designar, por maioria de dois
terços, os membros da comissão. "Entendemos que, cabendo à assembleia a
fiscalização dessa comissão, perderíamos independência se fôssemos nós
a nomeá-la", explicou a sua presidente, Paula Teixeira da Cruz.
Nos termos dessa deliberação, após a nomeação pela câmara, a
comissão entrava de imediato em funções e dispunha de 30 dias, "após a
sua constituição", para apresentar o seu "regime de funcionamento" e
"plano de trabalho". No prazo de 60 dias, teria também de entregar à
assembleia, para aprovação, um projecto de "código de conduta ética"
que "densifique os impedimentos legalmente previstos [para os
funcionários] e as normas de promoção da transparência da actividade
municipal". O "regime de funcionamento" devia prever os "mecanismos de
monitorização do cumprimento dos códigos" a aprovar.
A deliberação discriminava igualmente elementos e informações sobre
a actividade dos serviços de Urbanismo, susceptíveis de indiciar
comportamentos menos transparentes ou corruptos, que a comissão teria
fornecer mensalmente à assembleia.
Moções de repúdio Passados seis meses, porém, a câmara ainda não tinha procedido à
nomeação da comissão, o que levou a assembleia a aprovar, por
iniciativa do PSD, uma moção de repúdio pelo arrastamento do processo.
Seis meses depois, em 15 de Junho passado, uma outra moção de idêntico
teor foi aprovada pelos deputados. De acordo com Paula Teixeira da
Cruz, a única explicação dada pelo presidente da câmara ao longo desse
ano foi a "dificuldade de encontrar pessoas com disponibilidade para
aquelas funções".
No dia 16 de Julho, finalmente, por proposta de António Costa e com
12 votos a favor e cinco contra, a câmara aprovou a nomeação de Luís
Barbosa, antigo ministro dos Assuntos Sociais, ex-dirigente do CDS e
actual presidente da Cruz Vermelha, como presidente da comissão. Como
vogais foram nomeados Margarida de Sousa Lobo, urbanista e professora
universitária, e António Nadais, da Inspecção-Geral dos Serviços de
Justiça.
O PÚBLICO perguntou ao gabinete de António Costa como é que se
explica a demora registada na nomeação da comissão, mas não obteve
resposta. Quanto ao facto de esta ainda não ter tomado posse, uma
porta-voz do autarca afirmou que "foi por causa das férias" e que
"dentro de duas semanas" tudo ficará resolvido.
Também contactado pelo PÚBLICO, o presidente indigitado, Luís
Barbosa não escondeu a sua surpresa: "Olhe, se fui nomeado está-me a
dar uma notícia!" O antigo administrador da Cimpor adiantou que foi
"sondado" por António Costa "no princípio do ano", mas que "desde então
não soube de mais nada". |