Público, 04.08.2009, Inês Boaventura
Criar um novo espaço verde entre o Cais do Sodré e o Terreiro do Paço onde os utilizadores possam estabelecer uma relação "informal" e "descontraída" com o rio, proporcionando-lhes em simultâneo a hipótese de acederem a uma espécie de "óculo vertical" que revele a história do lugar, é uma das intenções que justificam a proposta dos arquitectos paisagistas João Nunes e João Gomes da Silva para transformar a zona da Ribeira das Naus.
O estudo prévio encomendado pela sociedade Frente Tejo aos ateliers
PROAP e Global está concluído e já foi apresentado à Câmara de Lisboa.
Prestes a arrancarem com o projecto de execução, os arquitectos dizem
que o seu maior medo é que não haja debate e sublinham as vantagens de
se avançar até à solução final "de forma muito dialogante".
"Lisboa contacta directamente com o rio em pontos muito exíguos",
começa por explicar João Nunes, acrescentando que "isso faz com que a
Ribeira das Naus seja um sítio tão inacreditavelmente singular".
Tirando o Parque do Tejo e Trancão, que fica no Parque das Nações e foi
projectado pelo gabinete do qual é director-geral, o PROAP, o
arquitecto não se recorda de qualquer outro sítio "feito com o
propósito de ligar a cidade ao rio".
Espaço "descontraído"
A frente ribeirinha entre o Cais do Sodré e o Terreiro do Paço será,
segundo João Nunes, "sobretudo um espaço verde, descontraído", onde
lisboetas e visitantes poderão estabelecer "um contacto informal,
livre", com o Tejo. Para isso haverá "dois prismas relvados" junto aos
edifícios da Marinha, numa evocação das rampas varadouro, outrora
utilizadas pelas embarcações. Na margem do Tejo, contida entre dois
pontões, haverá uma espécie de praia, uma rampa em pedra que, como
explica João Gomes da Silva, constituirá "um plano suave que vai
descendo para dentro de água".
A circulação automóvel passará a ser feita entre a praia e as duas
plataformas relvadas. Os carros transitarão em duas vias paralelas ao
rio, assinaladas dentro de uma mancha ziguezagueante em calçada de
basalto com um recorte que corresponde à antiga linha de costa do
local, cuja vocação industrial e naval só foi transformada nos anos 40
do século XX com o rasgar da Avenida Ribeira das Naus. A ideia,
sintetiza João Nunes, é que este seja um espaço "fundamentalmente
pedonal", no qual os carros circulem a uma velocidade baixa.
O "uso" da frente ribeirinha entre o Cais do Sodré e o Terreiro do
Paço, sublinha João Gomes da Silva, será "perfeitamente contemporâneo",
mas isso será feito em paralelo com a intenção de "revelar uma série de
elementos históricos da cidade". Nesse sentido, será posta a descoberto
a doca seca (construída em 1790) da qual actualmente apenas uma pequena
parte está exposta, mas que os arquitectos esperam que esteja
"íntegra". Também a estrutura da Doca da Caldeirinha, que de acordo com
João Gomes da Silva foi "um dos elementos mais persistentes" deste
lugar e remonta a 1500, vai ser retomada, passando a "assinalar o
hiato" entre a Ribeira das Naus e o vizinho Terreiro do Paço,
ultrapassável através de uma ponte para automóveis e peões. Infografia
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