Público, 06.07.2009, Jorge Marmelo
As cidades estão a mudar, sim. Estão baralhadas. As coisas já não estão no sítio onde costumavam estar - e isso nota-se bastante na nova cidade da Senhora da Hora, no concelho de Matosinhos. O centro da cidade, por exemplo: o centro da Senhora da Hora ainda está no miolo da urbe, à beira da antiga linha férrea que agora é a linha do metro de superfície.
Está lá a junta de freguesia, paredes-meias com os enormes silos de uma
moagem de cereais, os Correios, a farmácia central (a funcionar
provisoriamente num contentor), as agências bancárias, galerias
comerciais, os cafés de bairro e a sede do Porto Canal. Mas o
verdadeiro centro da cidade já não é ali. Moveu-se algumas centenas de
metros e, agora, está nos corredores do NorteShopping, onde também há
bancos e parafarmácias, centenas de lojas, uma estação dos Correios, um
super e um hipermercado. Até a esquadra da polícia lá está. A praça
principal da cidade é a praça da alimentação do centro comercial.
São onze horas de uma manhã qualquer no centro da cidade da Senhora da
Hora, que vai sensivelmente do Parque de Jogos Manuel Pinto de Azevedo
à estação do metro do Porto para a qual confluem três linhas, ao longo
da Avenida Fabril do Norte (que recorda a fábrica que, durante décadas,
ocupou uma parte substancial do território da freguesia e foi
responsável pelo seu crescimento): há pouca gente a circular nas ruas e
trânsito quase nenhum, sinal mais ou menos óbvio de que estamos numa
cidade-dormitório do Porto, do qual está separada apenas pela ténue fronteira
da Estrada de Circunvalação. Mas esta é uma verdade que é também uma
mentira. Basta, à mesma hora, entrar no NorteShopping para constatar
que, senhorenses ou não, há muitas pessoas a circular nos corredores,
nas filas para as máquinas ATM e para os bancos, nas lojas de
telemóveis; mais gente nas esplanadas a ler os jornais do dia.
À parte este duplo e dúbio carácter, a Senhora da Hora é quase uma
cidade-dormitório normal, excepto, talvez, pelo facto de parecer
organizada e pouco suburbana, limpa e aprazível, ainda dividida pelo
antigo risco ao meio da linha-férrea, agora mitigado pela transformação
em linha de metro. A chegada do novo meio de transporte, inicialmente
objecto de grande contestação, acabou por constituir uma oportunidade
para a sua requalificação urbana: os espaços tornaram-se amplos e
ajardinados e às velhas vivendas e palacetes, e às casas térreas dos
bairros populares, juntam-se agora novas construções destinadas à
classe média-alta do Grande Porto. Mesmo os terrenos da histórica
Efanor vão dar lugar a um grande e luxuoso condomínio, para onde está
inclusivamente previsto um pólo do Museu de Serralves.
Uma das mais impressivas características da Senhora da Hora prende-se, aliás, com a boa cobertura de serviços públicos e privados e de
espaços de cultura e lazer. Para além de um dos maiores centros
comerciais do país, que tem duas dezenas de salas de cinema e uma
galeria de arte, há uma feira semanal muito afamada, um centro de
saúde, o moderno parque urbano do Carriçal e o histórico parque das
Sete Bicas, uma piscina municipal, um campo de golfe e a Escola
Superior de Arte e Design. Há até casos de duplicação de equipamentos,
como a coexistência do pavilhão gimnodesportivo da freguesia com o
Pavilhão de Congressos e Desportos de Matosinhos, ou do complexo
desportivo do Leixões SC com o campo de relva artificial do Parque de
Jogos da Senhora da Hora. Em bom rigor, até o Hospital de Matosinhos,
ou de Pedro Hispano, está situado no território da Senhora da Hora.
Não será uma vingança, mas é uma curiosa ironia: a Senhora da Hora foi,
entre 1839 e 1853, a capital do concelho de Bouças, mas perdeu esse
estatuto para Matosinhos, o que acabou por ditar a nova denominação do
concelho. Hoje, o hospital central dos matosinhenses e o campo de
futebol da principal equipa da cidade estão na vizinha e nova cidade da
Senhora da Hora.
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