Público, 05.07.2009, Alexandra Prado Coelho
Colocar pessoas em andaimes a limpar a fachada de uma catedral gótica do século XIV pode ser uma solução para ajudar a Europa a sair da crise económica. Foi isso que viu um jornalista da Economist ao passar pela cidade francesa de Beauvais - e foi esse o exemplo que escolheu para um longo artigo sobre a crise e sobre como "os franceses fazem as coisas de forma diferente".
Mas, se calhar, os franceses não fazem as coisas de uma forma assim tão
diferente. Os responsáveis pelo património de 28 países europeus
apelaram recentemente - numa declaração comum saída do 4.º Encontro do
Fórum Europeu de Responsáveis pelo Património, que decorreu em Viena -
aos governos para que apostem na recuperação do património como uma das
respostas para sair da crise e definam pacotes de apoio específicos.
Esta é "uma solução sustentável de sucesso garantido para fazer face à
recessão económica", defendem.
Elísio Summavielle, director do Igespar (Instituto de Gestão do
Património Arquitectónico e Arqueológico) repete o apelo em Portugal, e
lembra que aqui há um caminho a percorrer maior do que noutros países.
"A média europeia de percentagem de trabalho de recuperação dentro da
construção civil é de 40 por cento, na Holanda está já nos 75 por
cento, e em Portugal, segundo dados da Aecops (Associação das Empresas
de Construção e Obras Públicas) é de 6,5 por cento", diz. Apesar disso,
a evolução tem sido positiva: em 1992, era apenas de um por cento. "A
tendência é para haver cada vez mais negócio na área da reconstrução e
a construção civil está a voltar-se para essa área".
Outro dado positivo, segundo Summavielle, é o facto de 70 por cento do
investimento público em recuperação ser feito pelas autarquias, que
"perceberam que há aqui um nicho de negócio ligado ao turismo cultural
e à preservação dos centros históricos". O que pede agora ao Governo, à
semelhança dos seus homólogos europeus, é que avance para um pacote
financeiro destinado à recuperação do património (e não apenas do
classificado, mas do que se encontra em zonas de protecção, por
exemplo).
"Falta de mão-de-obra"
Uma das áreas em que é urgente investir é a da formação. "Temos falta
de mão-de-obra qualificada. Quanto mais se está a recuperar, pior está
a ser a qualidade da recuperação. Faltam marceneiros, canteiros, gente
que trabalhe com estuques, faltam artesãos mestres." Além disso, este
estímulo beneficiaria também, frisa o responsável do Igespar, a
exploração de materiais e de técnicas de construção tradicionais.
Alguns países já avançaram. É o caso da Noruega, onde o Parlamento
votou em Janeiro um pacote de medidas para combater a crise a partir de
propostas apresentadas por todos os ministérios. Foram escolhidos
projectos que tivessem "um rápido efeito no mercado de trabalho".
De um total de 526 milhões de euros, a maior fatia (153 milhões) foi
para a reparação e desenvolvimento das linhas ferroviárias, mas em
quinto lugar, com 40 milhões, surge a "gestão da natureza e da herança
cultural" (destes, 26,5 milhões são para a "herança cultural",
incluindo obras em edifícios protegidos privados, património
industrial, arqueologia e medidas de prevenção de incêndios em
edifícios históricos de madeira).
Em França, segundo a Economist, o pacote de estímulo lançado pelo
Governo, no valor de 26 mil milhões de euros para cerca de mil
projectos, inclui dois milhões de euros para restauro de património.
"Para além de esquemas mais convencionais, como auto-estradas, portos e
TGV, o estímulo francês", explica a revista, "inclui a limpeza de
catedrais históricas e igrejas".
|