Público, 14.06.2009, Ana Henriques
Não sendo uma obra sua, é das que mais transtornos lhe têm trazido desde que tomou posse - só comparável aos dissabores que lhe causou o alargamento do terminal de contentores de Alcântara, outra decisão do Governo com repercussões pouco simpáticas na imagem da actual gestão da Câmara de Lisboa. A escassos quatro meses das eleições autárquicas, a remodelação do Terreiro do Paço converteu-se de trunfo eleitoral de António Costa em assunto incómodo, por via da onda crescente de contestação ao projecto.
Os losangos desenhados pelo arquitecto Bruno Soares para o pavimento da
praça central são um dos motivos da discórdia. Outro relaciona-se com a
sua sobreelevação no lado virado ao Tejo. O arquitecto pretende que a
placa central fique num plano mais elevado do que o Cais das Colunas,
ao qual se acederia depois de se descer do centro da praça por degraus
ou rampas. O facto de Bruno Soares ter sido nomeado, e não escolhido
por concurso, é outro motivo de protesto. As objecções ao projecto têm
sido transversais, dos serviços camarários ao Instituto de Gestão do
Património Arquitectónico e Arqueológico, passando por personalidades
como a directora do Museu dos Coches, José Miguel Júdice ou Maria
Filomena Mónica. Foram também vários os reparos feitos pela comissão de
especialistas encarregue de acompanhar o trabalho de Bruno Soares - que
se remeteu ao silêncio nas últimas semanas para reformular o projecto,
em fase de estudo prévio.
Na blogosfera e no abaixo-assinado on-line pedindo a abertura de uma
discussão pública sobre o futuro da Praça do Comércio, multiplicam-se
as críticas não só ao Governo, que está a promover esta e outras obras
à beira-rio através da sociedade de capitais públicos Frente Tejo, como
à própria autarquia - apesar de, do ponto de vista formal, o papel
desta última ser menor no empreendimento, pois trata-se de uma obra do
Estado. A recente apreciação do projecto pela câmara - um procedimento
aparentemente inútil, uma vez que as obras da administração central não
precisam de licenciamento municipal - veio acentuar o equívoco, com
António Costa a ter de exercer o seu voto de qualidade para desempatar
uma votação que por pouco não redundou num "não" do executivo camarário
aos planos de Bruno Soares.
Santana aproveita
No PSD, há já quem comente em surdina que a Praça do Comércio pode ser
para o presidente da câmara aquilo que o projecto do elevador para o
Castelo de S. Jorge foi para João Soares - um episódio que parecia
menor mas que, numa disputa eleitoral taco-a-taco, terá ajudado a comprometer a vitória do socialista nas
autárquicas de 2001. Quis o destino que quem roubou nessa altura o
município a João Soares seja o mesmo adversário que António Costa vai
ter pela frente em Outubro: Santana Lopes, que, tendo percebido a
vantagem que lhe pode dar o descontentamento com o Terreiro do Paço,
investiu no tema, tendo acusado a câmara de se estar a vergar ao
Governo.
Será, de facto, esta uma questão que pode deitar a perder António
Costa, numa cidade em que, nas eleições europeias, o PS superou o PSD
por menos de um ponto percentual? A acreditar em alguns especialistas
ouvidos pelo PÚBLICO, o autarca não corre esse risco. "O Terreiro do
Paço não é susceptível de ser fatal a António Costa", opina o
politólogo António Costa Pinto. Essa é também a opinião do sociólogo
Villaverde Cabral: "O assunto não tem relevância eleitoral suficiente.
É uma querela das elites artístico-intelectuais".
Em banho-maria? "Para António Costa, a questão surge na pior altura", admite, por seu
turno, o politólogo André Freire. Villaverde Cabral considera que
aquilo que pode ser mortal para António Costa é a divisão da esquerda.
"Apostava que o Terreiro do Paço vai ficar paralisado até às próximas
eleições", acrescenta. Também para Costa Pinto a política de alianças
que o presidente da câmara conseguir, ou não, estabelecer com outras
forças políticas para ir a votos será um dos múltiplos factores mais
importantes do que este tipo de episódio. Ainda assim, neste contexto,
António Costa só tem a ganhar em "afirmar-se como presidente da
câmara", demarcando-se do Governo, observa. "Esta contaminação entre
poder local e administração central pode não lhe ser favorável". Os
três analistas são unânimes em considerar que o arquitecto devia ter
sido escolhido por concurso público.
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