Público, 14.06.2009
Ter o Terreiro do Paço remodelado a tempo das comemorações do centenário da implantação da República, em Outubro de 2010, tem sido o principal argumento usado para a dispensa do concurso público para a escolha do arquitecto responsável pelo projecto. Mas porquê Bruno Soares, que é acima de tudo um especialista em planeamento urbanístico?
Foi o advogado José Miguel Júdice quem, quando dirigia a Sociedade
Frente Tejo - entidade de capitais públicos encarregue da reabilitação
de alguns troços da zona ribeirinha de Lisboa -, o convidou. Evitou
assim as delongas que um concurso público internacional implicaria e/ou
os custos acrescidos motivados por obras que, arrancando mais tarde,
teriam de ser concluídas em prazos--recorde. "O facto de a criatividade
contemporânea não ser manifestamente essencial" foi outro argumento que
invocou para a dispensa do concurso. E depois Bruno Soares já
trabalhava desde 2006 para a Parque Expo, na realização de estudos
urbanísticos para a zona entre o Cais do Sodré e Santa Apolónia,
prossegue o advogado. A Parque Expo confirma que os seus técnicos se
socorreram de Bruno Soares, até porque o primeiro já havia assessorado
a administração portuária na zona ribeirinha da Baixa.
Amigo do vereador do Urbanismo da Câmara de Lisboa, o arquitecto Manuel
Salgado, Bruno Soares, de 68 anos, foi autor de vários planos
directores municipais país fora, incluindo o de Lisboa, em vigor desde
1994. Fundou, em 1984, a revista Sociedade e Território, juntamente com
Fonseca Ferreira, que se tornou já depois disso presidente da Comissão
de Coordenação Regional (actual CCDR) de Lisboa e Vale do Tejo.
Mas se nada neste currículo o tornaria uma escolha assim tão óbvia para
a Praça do Comércio, o facto de Bruno Soares não ter, enquanto
arquitecto, uma marca de autor demasiado vincada, foi para Júdice - que
defendia para o local uma obra o mais possível de restauro - um factor
de confiança acrescido. "Se fosse um arquitecto com o ego do tamanho de
uma casa, nunca o teria escolhido", sublinha. Só que, numa das poucas
entrevistas que deu até hoje sobre o assunto, Bruno Soares assume uma
posição diametralmente oposta. "Não há nada para restaurar. Na época
pombalina não havia desenho algum, era um terreiro, ponto final. A não
ser que queiram restaurar o desenho do Estado Novo", disse ao jornal i.
Não foram tornados públicos os honorários de Bruno Soares. O PÚBLICO
tentou obter esses dados junto da Sociedade Frente Tejo, mas não foi
possível.
Cem mil euros deitados ao rio
Cem mil euros foi quanto a Câmara de Lisboa pagou em 2000 aos
arquitectos que, em 1992, ficaram melhor classificados num concurso
público de remodelação da praça para estes desenvolverem um projecto de
execução que nunca saiu do papel. Mais o valor do prémio, que foram
12.500 euros. José Adrião e Pedro Pacheco garantem que nunca ninguém
lhes explicou o que se passou. O processo arrastou-se anos e, de
repente, João Soares estava de saída da autarquia, tendo-lhe sucedido
Santana Lopes, e isso pode ter sido um factor de peso, imaginam. Tal
como, antes disso, a aproximação da Expo '98, durante a qual nenhum
governante queria ver a principal praça do país em obras.
Tal como o actual projectista, Bruno Soares, também eles abdicaram das
árvores que há mais ou menos um século chegaram a existir no Terreiro
do Paço e da calçada portuguesa - embora parte do pavimento que
idealizaram para junto das arcadas fosse de facto em calcário branco,
mas sem pedra negra e em cubos maiores do que os da calçada. Para a
placa central queriam grandes lajes de pedra artificial - um aglomerado
do produto natural com betão ou cimento - num tom ocre. A redução do
número de faixas de rodagem já nessa altura estava prevista. Outra
semelhança com o projecto actualmente em discussão é que também neste
existe uma pequena escada na parte da placa central virada ao rio. Só
que os degraus de José Adrião e Pedro Pacheco são baixos e largos,
criando um desnível muito suave, e não surgem acompanhados de rampas.
Também para esta zona os dois arquitectos desenharam bancos para
contemplar o rio. A.H.
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