Público, 08.06.2009, Ascenso Simões, Secretário de Estado do Desenvolvimento Rural e das Florestas
Entrou em vigor, no passado mês de Abril, o novo regime da Reserva Agrícola Nacional (RAN), que veio adaptar esta restrição de utilidade pública à nova realidade da agricultura e dos espaços rurais. A RAN, que foi instituída em 1982 em contextos históricos que exigiam a contenção do desconcerto urbanístico e o incremento do planeamento territorial municipal, teve um papel relevantíssimo que importa valorizar de forma mais consistente.
Com a publicação do Decreto-Lei n.º 73/2009 surgiram comentários sobre
este regime de valor reforçado da RAN, bem como das suas consequências.
Só que quem fez tais proclamações não descobriu a lei de forma completa.
Importa salientar que o novo regime reforça a importância da afectação
dos melhores recursos pedológicos às actividades agrícolas, incluindo
as florestais; se adapta às novas realidades do uso dos espaços rurais
para uma gestão mais eficaz e consensual dos territórios; se
compatibiliza com os restantes instrumentos de ordenamento; e introduz
medidas de simplificação e de agilização de processos a bem do
interesse público.
A RAN é uma restrição de utilidade pública que estabelece um conjunto
de condicionamentos à utilização não agrícola do solo, com o objectivo
de preservar as áreas que, em termos agro-climáticos, geomorfológicos e
pedológicos, apresentem maior aptidão para a actividade agrícola. Por
isso, com a aprovação deste regime de valia fortificada, é introduzido
um novo conceito de classificação das terras, de acordo com a sua
aptidão para agricultura, baseado na metodologia recomendada pela FAO e
assente em parâmetros técnicos mais completos. Esta classificação é
aprovada pela DGADR e disponibilizada nos sítios da Internet dos
serviços competentes. Clareza, transparência e fiabilidade é o que
resulta desta alteração.
Neste regime valorizado, a exploração florestal é considerada parte
integrante da actividade agrícola, face ao carácter não destrutivo, nem
irreversível, do uso florestal dos solos. As referências no diploma à
produção de material lenhoso ou de outros produtos florestais, vão
seguindo o que de melhor foi pensado e escrito, sobre a matéria, por
cientistas da área - consagrando uma produção primária semelhante a
outras culturas agrícolas perenes ou anuais.
Em alguns dos reparos que se ouvem é comentada a possibilidade de
florestação de terras agrícolas, alegando-se o fim dos espaços
agrícolas como faixas de contenção dos incêndios. Por outro lado,
afirma-se que determinadas espécies florestais podem significar a
degradação de solos agrícolas e a competição com as culturas para
produção alimentar. Na abordagem desta reprimenda é importante
salientar dois aspectos que a contrariam: existem instrumentos graves
para o ordenamento e gestão florestal e, actualmente, remanesce espaço
agrícola cujo desamparo aumenta os riscos de incêndios e de pragas e
doenças.
Esta nova bitola legislativa surge, de forma plena, como um instrumento
de protecção dos melhores solos para a produção vegetal e sem ser a
muleta, ou substituto, de outros instrumentos de planeamento.
Apesar das benfeitorias, foi questionada a permissão legal de, na
proposta de elaboração da delimitação da RAN, ser reflectida a
necessidade de exclusão de áreas com edificações licenciadas, bem como
das destinadas à satisfação das carências existentes em termos de
habitação ou actividades económicas. Ora, este ponto em concreto revela
a maturidade da RAN. Em 1982, era expresso que importava criar uma nova
mentalidade que correspondesse a uma evolução cultural das populações e
dos seus órgãos de representação, com especial incidência no poder
autárquico, co-responsabilizando-os nas tomadas de decisões. Nesse
diploma primitivo e no decreto posterior são autorizadas, em solos da
reserva agrícola, as expansões urbanas, desde que previstas em planos,
em áreas de desenvolvimento urbano prioritário e áreas de construção
prioritárias e são excluídos da RAN os solos destinados a estes mesmos
usos.
Na legislação agora em uso, consagram-se estas excepções em sede de
elaboração da proposta de delimitação de RAN, onde será ponderada a
necessidade de exclusão de áreas por motivos específicos e concretos,
mas esta delimitação tem por base uma classificação de terras ou de
solos, está sujeita ao regime jurídico dos instrumentos de gestão do
território e não existe decisão final de delimitação sem a posição
valorativa das entidades competentes no âmbito agrícola. Temos,
portanto, um novo regime mais garantístico do interesse geral.
Para além das apreciações já contendidas, a menos improvável das
apreciações eleitas pelos questores é, pasme-se, a simplificação de
procedimentos, bem como a diminuição dos prazos para emissão de parecer
por parte das entidades regionais da RAN, em caso de utilizações, não
agrícolas, de áreas integradas na reserva.
O Governo introduziu medidas de redução e de agilização dos
procedimentos e de diminuição de prazos. A transparência e o rigor são
também marcas deste novo regime, conforme se pode constatar pela
permissão universal de consulta da delimitação da RAN e pela
implementação de um sistema de informação para a desmaterialização da
tramitação de processos.
Por último, os analistas têm dito inverdades sobre a permissão de
construção em áreas RAN. Pelo contrário, este novo diploma reforça os
mecanismos que desincentivam e impedem a construção. A unidade mínima
de cultura em solos RAN passa para o triplo da área fixada para os
respectivos terrenos e região, enquanto anteriormente era o dobro. No
caso da construção ou ampliação da construção para habitação permanente
do agricultor ou do proprietário, os imóveis não podem ser alienados
por um prazo de 15 anos subsequentes.
As questões que foram sendo levantadas nos últimos dias são, portanto,
resultado de más leituras do novo texto legal. A nova RAN é um
instrumento que salvaguarda o interesse do país, o seu equilíbrio e a
necessidade de se continuar a fazer agricultura sempre e com os
agricultores.
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