Expresso Actual, 06.06.09, José Manuel Fernandes
A EXPOSIÇÃO “Pancho Guedes — Vitruvius Mozambicanus” revela finalmente ao público português a ‘dimensão total’ de quem é, sem dúvida, um dos grandes criadores da arquitectura de expressão portuguesa do século XX. É a grandiosa mostra, aguardada há décadas, organizada à vontade do autor, tendo como comissário Pedro Guedes, o filho, também arquitecto.
Amâncio d’Alpoim Miranda Guedes, conhecido como Pancho Guedes, nasceu
em Lisboa (1925) e tem um percurso de grande diversidade, levado a cabo
sobretudo em Moçambique, África do Sul e Portugal. Viveu a infância e
juventude entre São Tomé (anos 20), Lisboa, Moçambique (anos 30) e
Joanesburgo (anos 40). Na década de 50, a seguir à licenciatura como
arquitecto (em Witwatersrand, reconhecida no Porto, 1953-54), fixou-se
em Moçambique, onde realizou a ‘fase de ouro’ da sua obra e de onde
saiu em 1974 para ser professor em Joanesburgo até 1988, sediando-se
então em Lisboa (Alfama) e Sintra.
Esta mundivivência contribuiu para a formação do seu ‘espírito de
viagem’ e de abertura. Artista multiforme, é autor de pinturas,
esculturas, desenhos (um criador potencial de banda desenhada) e
projectos — para além de notável coleccionador de peças de arte
africana.
Ao longo das décadas, expôs na Bienal de São Paulo (1961), participou
no Team 10 (grupo de arquitectos críticos do Movimento Moderno, 1962),
deu aulas e conferências, de Londres à Zâmbia, da África do Sul aos
Estados Unidos, defendeu a intervenção nos caniços de Lourenço Marques
(bairros populares da envolvente) na imprensa (1963), editou/desenhou
obras polémicas (“O Cão Tinhoso...”, de Luís Howana, 1964), escreveu
manifestos e textos sobre arquitectura, dirigiu a “Arquitectura da
Universidade de Witwatersrand” (1975), participou na Bienal de Veneza
(1975 e 2006, na última inserido na representação portuguesa),
organizou exposições sobre a sua obra (Londres, Lisboa, Basileia, Cabo).
Artista completo e sensível, é também um pedagogo experiente (Escola
Técnica de L.M., 1955-56; Universidade de Joanesburgo, 1975-88;
professor em várias universidades em Portugal, 1991-97) — e deu o apoio
cultural e formativo ao jovem Malangatana, em Moçambique, personalidade
para quem está a construir no Maputo a sua emérita Fundação.
Com obra extensíssima, para esta mostra organizou os seus projectos
arquitectónicos em mais de 20 variantes de linguagem, de que o
“Estiloguedes”, curvilíneo, pleno de plasticidade, a evocar Gaudi,
África e o expressionismo, será talvez o mais surpreendente (prédio “O
Leão Que Ri”, edifício “Prometheus”, padaria “Saipal”, dos anos 50).
Mesmo assim, Guedes foi um ilustre desconhecido no Portugal ibérico,
até a revista “Arquitectura”, pela mão de Manuel Graça Dias e José
Lamas, o publicar em 1985. De linguagem ecléctica e ‘a-moderna’, foi
‘olhado de lado’ pelos seus conterrâneos. Alheio a isto, irónico e
brincalhão, a sua alegria de viver transparece plenamente quando o
ouvimos, pois sabe comunicar o entusiasmo que o anima e que é a base da
criação e da qualidade.
Pancho Guedes - Vitruvius Mozambicanus, Museu Colecção Berardo, Lisboa, até 16 de Agosto
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