Expresso, 06.06.2009, Cristina Castel-Branco, Arquitecta paisagista
O vazio e o conforto serão conciliáveis na Praça do Comércio? A discussão do Colóquio Internacional sobre as Praças Reais, organizado pela Universidade Autónoma em 2007, centrou-se neste problema. O vazio total criado pelos quatro hectares da Praça do Comércio foi defendido por vários arquitectos e historiadores na defesa da praça de aparato. A praça preparada com uma área de conforto para esplanadas ao longo das arcadas e com um estreito alinhamento denso de árvores na grande praça virada para o Tejo foi defendida por mim. Gerou-se a polémica.
A troca de argumentos vai ser retomada com a discussão pública que a
solução apresentada pelo arq. Luís Jorge Bruno Soares irá suscitar. No
Colóquio ficou por explicar porque defendo a reposição de árvores no
Terreiro do Paço. Parto do princípio de que ambas as soluções podem
coexistir na praça, ajudadas na sua interface com a presença de
alinhamentos simétricos de árvores com 18m de largura de cada lado,
criando uma faixa de sombra e de conforto. Quando se atravessa o
Terreiro do Paço na metade turística do ano (Maio a Outubro), a única
vontade é chegar a um lugar onde haja sombra. Não se fica à torreira do
sol a gozar o Tejo. A praça é inóspita e os turistas queixam-se por não
haver sítio de conforto de onde se possa apreciar o Tejo.
Além da correcta opção de alargar os passeios, que irá trazer conforto
em esplanadas que prolonguem a sombra das arcadas, pode-se alterar o
essencial do desconforto, criando áreas de sombra no terreiro central.
Não surge nenhuma solução nesse sentido na proposta de Bruno Soares,
mas a solução já lá esteve no século XIX (até 1929). Proponho três
fiadas de árvores, plantadas ao longo do terreiro, com uma largura de
18m e podadas em sebe alta, o que cria sombra e melhora a excessiva
abertura a Sul.
Árvores em sebe alta são árvores plantadas densamente, com os troncos
limpos até 3m de altura e, a partir daí, podadas anualmente, formando
uma superfície quase plana de cada lado e em baixo. São de folha
caduca, permitindo que no Inverno todas as fachadas da praça se vejam
através da renda de ramos sem folhas. O efeito final da Primavera ao
Outono é de grande conforto, pois passeia-se por baixo de um
paralelepípedo contínuo de folhagem e frescura, a vista para o rio e
para as arcadas mantém-se intacta, o pavimento não reflecte a luz e, se
houver bancos por baixo das árvores, pode-se estar. É o que acontece na
Place des Vosges, no Jardim do Luxemburgo, ou em tantos parques
rodeados de fachadas imponentes como as do Terreiro do Paço. As árvores
convivem bem com a arquitectura e são atemporais. São baratas e duram
muito.
Do ponto de vista social, as árvores quando oferecem sombra... é para
todos. Para gozar o rio, sentado e à sombra, não será preciso pagar,
como nas esplanadas. Qualquer um terá direito a um sítio de ‘estar’.
Do ponto de vista estético e da função urbanística da praça, com as
árvores em sebe alta, conciliam-se as duas funções: a de aparato (no
espaço central, que mantém vazios mais de 2,5ha, com o foco na estátua
de D. José) e a de conforto e vivência dinâmica na praça, com uma área
de sombra segura. Estes dois alinhamentos de árvores fazem a transição
dos dois espaços.
Para criar sombra, Bruno Soares prefere toldos e sombra artificial.
Veja-se a Expo-98. Passaram 13 anos sobre as primeiras plantações
coordenadas por mim em Outubro de 1996. Veja-se a pujança das árvores e
compare-se com a precariedade das estruturas artificiais de plástico
amarelo. As árvores na Praça do Comércio precisam de pouca manutenção e
duram 100 anos.
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