Público, 03.06.2009, Ana Henriques
Nos termos em que está a ser desenvolvida pelo Governo, a remodelação do Terreiro do Paço viola a lei, defende a presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, a jurista Paula Teixeira da Cruz. Em causa está a necessidade de o estudo prévio de remodelação que está em discussão ter, no entender da social-democrata, de ser precedido de um plano de pormenor ou de plano de urbanização.
Dada a vasta área abrangida pelas alterações previstas - que se estende
até à Avenida da Ribeira das Naus, implicando a alteração da circulação
rodoviária, "a abordagem feita no estudo prévio não é suficiente",
assegura Paula Teixeira da Cruz. "Ele pressupõe a existência um
instrumento de planeamento do território tipificado na lei que
disciplina o uso e a ocupação do solo de uma intervenção deste género -
o plano de pormenor ou o plano de urbanização."
Para a presidente da Assembleia Municipal, ao avançar com um estudo
prévio sem ter promovido antecipadamente a elaboração de um plano, o
Governo, através da Sociedade Frente Tejo, "cometeu uma infracção ao
regime jurídico dos instrumentos de planeamento territorial". "Se for
executada, esta intervenção é ilegal", avisa Paula Teixeira da Cruz.
Apesar de não ter sido chamada pela câmara a pronunciar-se sobre a
remodelação da Praça do Comércio, a Assembleia Municipal de Lisboa vai
tomar a iniciativa de o fazer. E, embora o seu parecer possa não ser
vinculativo, nada impede este órgão, em que o PSD tem maioria, de
desencadear procedimentos destinados a impedir o avanço das obras de
remodelação do Terreiro do Paço, que o Governo quer ter prontas a tempo
das comemorações do centenário da implantação da República, em Outubro
de 2010.
"A assembleia vai apreciar e debater o estudo prévio, porque entende
que a configuração da principal praça do país e das zonas adjacentes
não é matéria que lhe possa ser subtraída, qualquer que seja o
procedimento adoptado pelo Governo", observa Paula Teixeira da Cruz. "E
irá deliberar sobre a matéria. Vamos pronunciar-nos do ponto de vista
político e, se concluirmos pela irreparabilidade do dano para a cidade,
não deixaremos de actuar." Esta responsável fala numa eventual
"violação do legado histórico da praça", para concluir: "A legalidade
[do processo] também pode ser discutida em outras sedes." Uma queixa à
Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do
Tejo, por exemplo? "Pode ser. Ou podemos tomar outros passos",
responde, sem adiantar mais.
A presidente da Assembleia Municipal não esconde o seu desagrado
perante alguns aspectos do projecto feito pelo arquitecto Bruno Soares,
que foi escolhido para a tarefa pela Sociedade Frente Tejo sem qualquer
tipo de concurso público. "Ele contempla a criação de um verdadeiro
fosso entre a Praça do Comércio e o rio", critica, numa referência à
sobreelevação prevista da placa central relativamente à avenida que
corre ao longo do rio e ao próprio Cais das Colunas. "Cria-se uma
espécie de precipício, com todos os problemas de acessibilidades
inerentes a isso." O facto de os serviços camarários terem dado um
parecer negativo relativamente a este e outros aspectos do estudo
prévio de Bruno Soares é, para Paula Teixeira da Cruz, outro aspecto
relevante da questão.
Para que a câmara tivesse, na passada semana, aprovado o trabalho de
Bruno Soares, foi necessário o presidente, António Costa, usar o seu
voto de qualidade. Mesmo assim, valeu-lhe a ausência temporária do
vereador independente Carmona Rodrigues, cujo voto desfavorável teria
levado ao chumbo do estudo prévio.
Simples parecer camarário ou um licenciamento formal?
O projecto de execução da requalificação do Terreiro do Paço poderá ter
que ser sujeito a licenciamento pela Câmara de Lisboa, que há uma
semana, na reunião do executivo, aprovou um parecer favorável ao estudo
prévio daquela intervenção.
A necessidade de um licenciamento e não de simples parecer por parte da
autarquia foi levantada na passada semana pelo vereador independente e
ex-presidente da autarquia Carmona Rodrigues, que invocou a lei
(159/99), segundo a qual é da competência dos órgãos municipais "o
planeamento, a gestão e o investimento, nomeadamente no domínio dos
espaços verdes, ruas e arruamentos (...)".
Concluiu Carmona Rodrigues que o espaço público do Terreiro do Paço
está integrado no domínio público municipal e que aquela intervenção é
matéria da competência da autarquia, estando portanto sujeita a
licença. E, mesmo que se venha a considerar que o processo está isento
de licença, a intervenção em causa precisará sempre de ser autorizada
pelo Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico,
argumentou - ao que o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, respondeu
que o conselho consultivo deste organismo se há-de reunir para dar o
seu parecer.
"É evidente que este é um projecto controverso, que vai ter sempre
gente a favor e contra ele", reconheceu o autarca, depois de várias
críticas dos vereadores da oposição. O arquitecto encarregue do
projecto, Bruno Soares, já admitiu alterar alguns aspectos do seu
trabalho.
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