i, Enrique Pinto-Coelho, 01.06.09
Não tem losangos, nem corredor central, nem carros. O projecto dos arquitectos José Adrião e Pedro Pacheco para o Terreiro do Paço foi aprovado por concurso público e teve uma vida longa: entre 1992 e 2000 atravessou todas as fases até ser entregue, já como projecto de execução, à Câmara de Lisboa. Custou cerca de 10 mil euros aos contribuintes. E ficou na gaveta.
A história contrasta com o actual projecto do Terreiro do Paço do
arquitecto Bruno Soares - que recebeu a encomenda sem concurso prévio e
nem sequer consultou o anterior trabalho, desenvolvido por uma equipa
multidisciplinar. A requalificação deverá estar pronta para as
comemorações do centenário da implantação da República - 5 de Outubro
de 2010.
A urgência em avançar com o plano de Bruno Soares, cujo estudo prévio
foi aprovado na semana passada pela câmara, com recurso ao voto de
qualidade do presidente, António Costa, motiva a perplexidade de
arquitectos e cidadãos.
Pedro Pacheco diz estar "preocupado" com a falta de debate e com o
facto de não ter havido concurso. E lamenta que o plano esteja a ser
executado "com a espada da inauguração sobre a cabeça". Não é o único.
O Fórum Cidadania LX alertou, em comunicado, que a remodelação "é um
facto consumado" que "decorre a bom ritmo". E pede que seja aberto "um
período de discussão pública". O Fórum denunciou ainda a abstenção dos
vereadores do PCP e a ausência de Carmona Rodrigues, que tinham "tecido
duras críticas ao estudo prévio", na votação camarária.
A Assembleia Municipal de Lisboa exigiu, com os votos do BE e do PS, um
concurso de ideias com "soluções urbanísticas" e outras propostas para
ordenar a praça, antes de o estudo prévio ter sido aprovado pelo
executivo municipal. Os vereadores comunistas recomendaram a abertura
de um espaço de debate no site da câmara, salientando que o processo de
discussão "está invertido ao ser alegadamente conduzido por uma
entidade exterior ao município".
Trata-se da Frente Tejo. Mas no sítio da sociedade (www.frentetejo.pt)
existe já uma "área de debate". O presidente, Biencard Cruz, garante
que "haverá vários tipos de discussão" e o limite para admitir
sugestões "será o bom senso".
Por enquanto, o projecto discute-se entre especialistas. No debate
organizado na quarta-feira na Ordem dos Arquitectos, Bruno Soares ouviu
duras críticas e prometeu repensar aspectos mais polémicos, como os
losangos, o corredor central e os degraus da estátua.
Um dos autores do projecto abandonado, Pedro Pacheco, participou no
colóquio e afirmou "rever-se" na proposta de Bruno Soares, mas não
tanto no desenho apresentado. "O nosso projecto ficou em segundo lugar
porque era muito oneroso na altura. Rondava os dois milhões de contos
[cerca de dez milhões de euros] e o primeiro lugar implicava a
adjudicação directa", explica o arquitecto José Adrião. A proposta
incluía um corredor ferroviário e um parque de estacionamento, ambos
subterrâneos. Em 1997, a execução foi adiada devido à iminência da Expo
98 ("não havia tempo nem dinheiro para tudo") e a praça ficou coberta
com um pavimento temporário de betão. Era para ter ficado três anos, no
máximo, mas durou até ao início deste ano.
A substituição definitiva só chegará depois das obras do novo projecto
de Bruno Soares. Quando terminar a instalação das condutas de esgotos -
em Junho - começará a infra-estruturação da praç a. Biencard Cruz,
presidente da sociedade estatal responsável pela futura remodelação
(Frente Tejo), admite mesmo que haverá "sobreposição dos trabalhos", o
que significa que a proposta de Bruno Soares é para avançar: sim ou sim.
Falta o parecer vinculativo do Instituto de Gestão do Património
Arquitectónico e Arqueológico, mas também este organismo assume que não
será chumbada "a não ser que seja uma aberração total", segundo Maria
Resende, assessora de imprensa do instituto.
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