Público, 30.05.2009, Inês Boaventura
O provedor de Justiça acusa o Governo de procurar um meio de enriquecimento "indevido, injusto, imoral" com a proposta de alienar à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, por 1,26 milhões de euros, a Igreja Paroquial de Santo António de Campolide. Nascimento Rodrigues sublinha o "indisfarçável processo de ruína" do imóvel classificado e diz ser incompreensível "por que motivo o Estado o mantém em seu poder e não o restitui aos paroquianos".
Numa carta enviada ao ministro de Estado e das Finanças no fim de
Abril, o provedor lembra que a igreja foi confiscada há quase 100 anos
pelo Estado, que "nunca cuidou de conservar o imóvel, muito menos de o
beneficiar, sem prejuízo de o ter vindo a classificar em 1993 como
imóvel de interesse público pela sua valia arquitectónica e histórica".
Assim sendo, aprecia Nascimento Rodrigues, "impor como condição à
comunidade paroquial a sua aquisição a preço de mercado é algo que
ninguém dará como solução equilibrada".
O provedor de Justiça já tinha defendido esta posição em Junho de 2008,
altura em que recomendou ao ministro "a adopção, pelo Governo, de
providências legislativas adequadas, que permitam ceder à Irmandade de
Nossa Senhora do Rosário e Senhor Jesus dos Paços da Santa Via Sacra, a
título gratuito e definitivo, sem outros ónus nem encargos que os
resultantes da Concordata com a Santa Sé, a Igreja de Santo António da
Campolide".
O teor desta recomendação foi, segundo Nascimento Rodrigues, "largamente controvertido" com a Direcção-
-Geral do Tesouro e das Finanças, que lhe comunicou a disposição de
alienar o imóvel por 1,26 milhões de euros. Isto porque, argumentou na
ocasião o responsável pelo organismo do Ministério das Finanças, a
Concordata com a Santa Sé que reconhece à Igreja Católica a propriedade
dos bens que lhe foram confiscados não se aplica a este caso porque em
1910 este imóvel era da Companhia de Jesus e não literalmente da Igreja
Católica.
O director-geral, Carlos Durães da Conceição, alegou ainda que a norma
concordatária não era aplicável porque o uso da igreja se encontra
cedido à referida irmandade. Nascimento Rodrigues diz que "não vale
nenhum dos argumentos apresentados", porque está de facto em causa a
Igreja Católica, "como o conjunto das pessoas regularmente constituídas
e erectas segundo o direito canónico", e porque a cedência do imóvel
"não retira ao Estado a qualidade e estatuto de possuidor".
O provedor conclui que propor uma alienação por 1,26 milhões de euros
lhe parece "um locupletamento [enriquecimento] verdadeiramente injusto
da parte do Estado" e frisa que o impedimento legal de o Governo
alienar bens seus de forma gratuita "deveria circunscrever-se ao
património legítimo do Estado e não também aos imóveis 'conservados' em
seu poder contra disposições concordatárias".
O PÚBLICO perguntou ao ministro de Estado e das Finanças se já existe
uma resposta à carta do provedor de Justiça e se está ou não a ser
equacionada, em função dos argumentos de Nascimento Rodrigues, a
cedência a título gratuito e definitivo do imóvel à irmandade. O seu
assessor de imprensa respondeu que a igreja "não se encontra abrangida
pelo âmbito das concordatas celebradas com a Santa Sé, pelo que integra
a titularidade do Estado".
Pedida contra-proposta
Vasco Noronha acrescentou que a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e
Senhor Jesus dos Paços da Santa Via Sacra "ficou de apresentar uma
contra-proposta para aquisição do imóvel", que lhe foi cedido "a título
precário e gratuito" a 25 de Fevereiro de 1938, "o que ainda não se
verificou". O assessor não mencionou na sua resposta escrita, na qual
diz que nada mais há a acrescentar sobre o assunto, se o ministro
Teixeira dos Santos respondeu ou não às acusações do provedor de
Justiça.
"Em toda a parte do mundo, é roubo, e, depois, a venda é crime", diz,
por sua vez, o presidente da Junta de Freguesia de Campolide,
defendendo que "o Estado usurpou sem razão nenhuma a igreja e depois
quer vendê-la aos seus donos". "É preciso ter lata", atira Jorge
Santos, que, tal como o provedor de Justiça, é a favor da cedência
gratuita e definitiva do imóvel à irmandade.
O presidente da Junta de Campolide, eleito pelo PSD, diz que concorda
"a cem por cento" com o conteúdo da carta de Nascimento Rodrigues, que
considera ser "mais uma" manifestação "da sua grande coragem". Jorge
Santos adianta que a acção judicial que está a preparar contra o
Ministério das Finanças, por não cumprir a obrigação de conservar,
cuidar e proteger um imóvel classificado de que é proprietário (como
estipulado por lei), deverá dar entrada no tribunal "antes das férias
judiciais".
|