in Publico, 27.05.2009, Ana Henriques Não foi uma noite fácil aquela que o autor do projecto de remodelação do Terreiro do Paço viveu na terça-feira na Ordem dos Arquitectos. A apresentação do seu trabalho foi brindada com uma chuva de críticas por parte dos seus pares, que não gostaram nem dos losangos que desenhou para a placa central nem dos degraus que ele quer fazer a separá-la do rio.
Nem os 68 anos de Bruno Soares impediram a truculência de alguns dos
arquitectos presentes nesta sessão destinada a discutir o seu trabalho.
“Há um certo atrevimento em criar losangos ou degrauzinhos numa praça
com a transcendência desta”, observou Carrilho da Graça. Quanto às
linhas se prevê que venham a ornamentar os passeios junto às arcadas,
inspiradas nas antigas cartas de marear, lembram a Carrilho da Graça
“os tempos do fascismo e a exposição do mundo português”. Foram poucos os elogios que se ouviram ao projecto, à excepção da intenção de reduzir o tráfego automóvel.
Já confrontado com os mesmos reparos noutras ocasiões, Bruno Soares
admite esbater os losangos no desenho da placa central, mas insiste nos
degraus e na rampa do seu lado sul, de forma a que quem se aproxima do
rio fique num plano sobreelevado em relação ao Tejo antes de atravessar
a estrada que liga a placa central ao Cais das Colunas. É também para
esta zona do Terreiro do Paço, entre o torreão poente e o Cais das
Colunas, que está prevista uma rampa, de modo a permitir o acesso de
deficientes. Mas os desníveis na praça hoje plana não ficam por aqui.
Depois de ter percebido que a parte poente das arcadas está afundada
porque o edifício abateu ainda durante a sua construção, feita após o
terramoto de 1755, Bruno Soares resolveu realçar esse desnível, hoje
invisível a olho nu, instalando uns degraus no passeio que corre junto
às arcadas, antes do torreão. O projecto prevê ainda alguns degraus em
redor da estátua de D. José, para salientar a sua importância. “Vou
rever o desenho dos degraus”, prometeu Bruno Soares depois de terminado
o debate.
Igualmente pouco apreciado foi o corredor em pedra a marcar o percurso
entre o arco da Rua Augusta e o Cais das Colunas. “As pessoas não
precisam de uma seta” para chegar ao rio, disse Carrilho da Graça.
Michel Toussaint concordou: “Não precisamos que nos dirijam os passos”.
Por esta altura já Bruno Soares admitia que talvez não fosse
absolutamente necessário marcar este eixo no pavimento, que iria
dividir a praça a meio, longitudinalmente. Também presente no debate, o
historiador Rui Tavares alvitrou um eventual regresso ao Terreiro do
Paço das árvores que um dia já houve ali: “Não há razões históricas
para a sua exclusão definitiva”.
O facto de Bruno Soares ter sido escolhido pelo Estado, via Sociedade
Frente Tejo, para remodelar o Terreiro do Paço, sem qualquer espécie de
concurso público, foi um facto que não passou despercebido aos seus
pares. Afinal, qual seria o arquitecto que não gostaria de ter uma
oportunidade destas? O caso complica-se por já ter havido uma dupla de
arquitectos a quem, nos anos 90, foi encomendada e paga a reformulação
da praça, sem que o trabalho alguma vez tivesse saído do papel. Estavam
presentes no debate – e também não gostaram das soluções de Bruno
Soares para o local.
“Estamos a construir Portugal ao ritmo das festas”, observou outro
arquitecto, Luís Afonso, numa referência à pressa de remodelar o
Terreiro do Paço a tempo das comemorações do centenário da república,
Outubro de 2010. “E de vez em quando até a Ordem dos Arquitectos
embarca nisso. Em vez de estarmos a discutir um só projecto para o
Terreiro do Paço, era mais interessante podermos estar a discutir 50”,
defendeu, numa alusão à “inconcebível” falta de concurso público neste
e em muitos outros casos.
“O projecto ainda está aquém do que desejávamos. E isso causa-me
tristeza e mágoa”. Mesmo não tendo encerrado o debate, as palavras de
Carrilho da Graça exprimiram a desilusão dos arquitectos que também
gostavam de ter sido convidados a redesenhar o Terreiro do Paço.
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