in I, 27 de Maio de 2009, Enrique Pinto-Coelho Uma praça com passeios alargados e pouco trânsito, sem árvores nem espaços verdes. Assumidamente grande, com pedra porosa e pontos de fuga. Não, não são losangos. As linhas do futuro chão imitam mapas, "são diagonais que abrem perspectivas". Eis o Terreiro do Paço do arquitecto Luís Bruno Soares, um projecto escolhido sem concurso prévio. Motivo? "Uma questão de timings e da complexidade da obra", segundo Biencard Cruz, presidente da Frente Tejo - a sociedade responsável pela intervenção.
Em que fase se encontra a proposta?
Terminámos o estudo prévio em meados de Abril. Agora estamos na fase do
projecto de execução, tecnicamente mais desenvolvido, para depois se
entrar em obra.
A câmara já se pronunciou?
O que está pendente na câmara é só um parecer a esse estudo prévio. Entretanto há uma série de problemas técnicos por resolver.
Qual é a abertura real do projecto à participação cívica?
Os moradores devem participar. Mas eu tenho a responsabilidade técnica
e isto não pode ser um somatório de opiniões. Depois há questões como
os direitos dos cidadãos. Não podemos criar problemas, por exemplo, a
pessoas com deficiências. Quanto às polémicas, procurarei explicar e
defender as minhas propostas e defendê-las coerentemente até ao fim.
O primeiro presidente da Frente Tejo, José Miguel Júdice, defende a
adjudicação directa - foi ele, aliás, quem o escolheu para o Terreiro
do Paço - mas diz que não aprovaria este projecto.
Ele também costuma dizer que há dez milhões de portugueses e dez
milhões de opiniões sobre o Terreiro do Paço. Durante o período em que
trabalhámos juntos, na fase inicial, discutimos muito e chegámos a
algumas conclusões. A opinião dele seria diferente se tivesse
acompanhado o trabalho até agora e se ainda estivesse a presidir à
Frente Tejo.
Parece consensual o aplauso para o alargamento dos passeios e a redução
do trânsito, mas há várias questões sensíveis, como o projecto de um
Cais das Colunas circular?
A minha posição é que não há nada para restaurar. Na época pombalina
não havia desenho algum, era um terreiro, ponto final. A não ser que
queiram restaurar o desenho do Estado Novo, feito no início dos anos
1930. Deixar o que está também não faz sentido porque é um desastre, é
a ocupação daquela praça pelo automóvel. Nós queremos restabelecer o
domínio dos peões. A intromissão do trânsito fez com que as pessoas
cheguem à praça e fiquem desorientadas. O que quero é estabelecer um
percurso em que as pessoas vão directamente ao rio ou ao Cais das
Colunas.
Isso não é presumir que as pessoas chegam sempre ao Terreiro do Paço pela Rua Augusta?
Chegam de todo o lado, mas o eixo monumental que saiu do projecto
pombalino é: Cais das Colunas, Arco da Rua Augusta, Rossio e,
eventualmente, até às Portas de Santo Antão.
Mas alguém precisa de um corredor central para se orientar?
Não, utilizam o Terreiro à vontade. A questão é que nesse percurso, que
contorna a estátua, as pessoas têm de sentir condições para circular. E
sentir que podem passar as pessoas de todas as idades e condições. Na
zona ribeirinha, as duas vias de trânsito vão ser mantidas, mas apenas
com uma faixa de rodagem em cada sentido. A passadeira será uma calçada
de vidraça branca e optei por rematá-la em circunferência, mas sem
fazer mimetismo. Não estou a copiar o cais para dentro do terreiro. O
cais adivinha-se ao longe mas está ligeiramente submerso, por isso a
chegada será uma espécie de ritual.
O material que será empregue no pavimento já está decidido?
Apontamos para um tipo de material poroso, que filtre a água da chuva
no pavimento. Mas o aspecto importante é que se mantém na praça uma
certa ambiguidade. Nós continuamos a chamar Terreiro do Paço à Praça do
Comércio, mantém-se a memória do terreiro: ou seja, a terra batida, um
tratamento que se manteve praticamente até aos anos 1950. Gostaria de
manter a ambiguidade.
Por isso escolheu o ocre-amarelado?
Aquilo será um pavimento sólido mas feito com uma pedra miúda tratada
com uma resina. Quando se está em cima não se tem a sensação de estar
sobre uma pedra nem sobre a calçada portuguesa, mas sim sobre um
terreiro consistente, que não se desfaz. A cor da praça, pela dimensão
que tem, não deve ser branca. A reflexão da luz é muito forte. Por isso
estou à procura que estabeleça essa relação de cor com a praça, que
seja toda ela em tons de ocre-amarelado. Acho que demos uma ideia
errada nas imagens do estudo prévio, ao acentuar muito os ocres e
castanhos. Eventualmente não será assim.
Será mais clara?
Sim. E as faixas das diagonais não contrastam tanto, esbatem muito
mais. O pavimento será muito mais uniforme, de uma cor clara mas sem
ser branco forte e procurando uma relação de equilíbrio com a cor das
fachadas. Actualmente, o pavimento está inclinado da estátua para as
galerias, e nós vamos virar o escoamento das galerias para a zona
central.
As críticas mais fortes, as "vestes rasgadas", têm a ver com os losangos no pavimento.
É uma surpresa, porque a intenção não era fazer losangos. Procurei uma
métrica relacionada com os edifícios, com o ritmo das arcadas. Pensei
que, em lugar de fazer quadrados e rectângulos na zona central - se
calhar a solução mais óbvia -, podia disparar os pontos de fuga. É uma
das maiores praças do mundo, e parece que nós queremos sempre fazê-la
pequenina, parti-la aos bocadinhos, meter árvores para cortar? Este
projecto assume que a praça é muito grande, e a maneira de revelar isso
às pessoas é introduzir as diagonais, marcar as perspectivas que dão
ainda maior dimensão à praça. As pessoas não vão ver losangos, mas sim
linhas que apontam perspectivas. Só haverá um losango que marca a
estátua de D. José, em mármore verde, idêntico à cor da estátua.
Está a tentar conduzir o olhar das pessoas?
Não, mas se tiver um desenho que, quando passa, tem linhas só em
diagonal, os pontos de fuga tornam-se ainda mais distantes. Queremos
marcar claramente vários tipos de espaços mas sem perder a unidade da
praça. Os passeios, que alargam 16 metros; as grandes esplanadas, que
podem ficar junto aos edifícios; uma moldura de arruamento, embora não
haja circulação nas perpendiculares; e a placa central.
Como é que se vai criar as infra-estruturas da praça?
É uma praça de aparato e de representação, mas ao mesmo tempo é popular
e de uso múltiplo: há manifestações, há poder e contrapoder, é um
espaço polivalente. Tem de estar preparada para usos quotidianos e para
outro tipo de actividades esporádicas, mas há utilizações que não
encaixam com as características físicas da praça. Meter um TIR no
centro do terreiro é condenar o terreiro.
Onde é que vão ficar os veículos longos?
Nas laterais. Estamos a prever e a estabelecer regras para a utilização
da praça, dando-lhe a maior amplitude possível de utilização. Vamos
deixar, sob o chão, uma caleira contínua onde haverá espaço para todo o
tipo de instalações, cabos, redes, água... E vamos deixar aquilo que a
Câmara de Lisboa chama de negativos, uma espécie de tubos, que estarão
sobretudo à volta da praça e que abrem e fecham, onde cabem mastros de
bandeiras, estruturas para palcos, etc.
E sombra na praça? Defende a utilização de toldos, apesar de ser uma praça muito ventosa?
O problema que a praça tem é o desconforto ambiental para as pessoas
estarem. Parto do princípio que não é uma praça para estar, como as
praças espanholas fechadas, cheias de esplanadas. É uma praça de
cenografia, de grandes acontecimentos, que nas suas bordas terá sítios
onde as pessoas possam estar e criaremos as condições para isso. Mas
não se pode procurar que o terreiro sirva para tudo. A grande vantagem
é que do Cais Sodré a Santa Apolónia, que é onde se está a fazer a
intervenção, temos uma série de espaços que complementam o Terreiro do
Paço, que vão ter árvores e fresco e passeios junto ao rio - algo
semelhante ao que há agora na Expo. As árvores são contra o conceito
inicial da praça. Foi desenhada de propósito para a estátua real estar
acima de tudo o resto. Se enchermos aquilo de árvores, das duas uma: ou
são atarracadas para não cortar a vista dos edifícios, o que é
ridículo, ou são enormes e cortam a vista da praça. Para mim, o modelo
não é praça real francesa, isto é uma praça do Sul, do sol, do
Atlântico e do vento. E é essa a característica que não devemos
deturpar.
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