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Acesso publico a praia atravessa jardins particulares Imprimir E-mail

in Público, 26.05.2009, Idálio Revez

O aviso "arribas instáveis", acompanhado do sinal de perigo, assinala o início de um percurso pedonal com cerca de um quilómetro pela crista das falésias entre as praias da Maria Luísa e dos Olhos d'Águ, em Albufeira. Quem não ficou contente com a iniciativa foram os moradores da zona, que perderam a privacidade e o direito a praias quase desertas. Os turistas entram pelos relvados das vivendas, indiferentes às câmaras de vigilância.

A vedação de madeira que serve de corrimão na zona de risco representa um investimento de 170 mil euros, comparticipado em 70 por cento por fundos comunitários. A fiscalização da obra coube à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve. O proprietário de duas moradias num dos extremos do percurso (lado poente) interpôs uma providência cautelar, conseguiu suspender os trabalhos, mas não impediu a realização da obra. "Uma coisa é dar serventia, outra é a invasão da privacidade", diz João Pedro Almeida Bruno, responsável pela gestão das duas vivendas, pertencentes a um cidadão estrangeiro, e que garante que um fiscal da intervenção pública a designava como "operação jardins proibidos".

"Estou aqui há 21 anos, nunca se impediu ninguém de passar", sublinha a mesma fonte, que acrescenta: "Mas agora o que se está a pretender é convidar as pessoas a arriscar a vida, promovendo este percurso".

O quintal de Basílio
A abertura oficial do caminho à beira-mar será feita "em breve, antes da época balnear", assegurou Sebastião Teixeira, da Administração da Região Hidrográfica do Algarve. "Estamos a intervir em vários pontos da costa algarvia, para garantir uma melhor segurança das pessoas". Nesse sentido, exemplificou, também foi feito o balizamento entre a praia do Vau e a praia da Rocha. Sobre a hipótese da obra nos Olhos d'Água/Maria Luísa acelerar a desagregação das falésias, pelo aumento de utilizadores, o responsável observou que "a erosão nas arribas é causada, essencialmente, pelos efeitos da chuva e do vento, não é como nas dunas". Além disso, frisou, "se não houvesse arribas, não havia praias".

Este troço da costa algarvia, até agora, só era conhecido por alguns pescadores desportivos locais e por um ou outro curioso. A vista do local é única e quem adquiriu direitos de construir em cima de falésias não os quer perder, ainda que se arrisque a pagar um preço elevado - o mar todos os anos avança mais um pouco.
Durante alguns anos, Václav Havel, antigo Presidente da República Checa, teve aqui a sua casa de férias. O actual proprietário do imóvel, irlandês, mandou demolir casa e anexo, há cerca de três anos, e uma parte do entulho foi lançada na falésia. "Impensável existir uma coisa destas no séc. XXI", comentou Sebastião Teixeira, lembrando que, entretanto, a obra encontra-se embargada.
O presidente da Agência Portuguesa para o Investimento, Basílio Horta, também tem aqui uma casa de férias, actualmente a ser remodelada. A moradia é a única que não tem piscina, mas em contrapartida tem acesso directo para uma praia que só existe na maré baixa. O Ministério do Ambiente montou ali uma das três escadas metálicas do percurso, para galgar a falésia, a partir do mar. A base é de betão e quando a maré sobe a água chega ao quarto degrau.

Almeida Bruno contou que colocaram balizas no meio do quintal do ex-dirigente do CDS-PP. Dois dias depois, disse, "as marcações, curiosamente, foram afastadas". Sebastião Teixeira admitiu "que tenha havido acertos no terreno, dada a especificidade do projecto", mas esse caso concreto não se recorda. Quanto ao desgaste das falésias, em consequência dos paus na areia, desvalorizou: "É como uma picada num dedo para retirar sangue para análise". Porém, reconheceu que no decurso da obra já se deu um deslizamento de areias.

Empreendimentos tentam restringir acesso ao areal
A obra de balizamento da Torre da Medronheira - entre as praias de Olhos d'Água e Maria Luísa - veio tornar "oficial" um percurso histórico, conhecido de pescadores e moradores locais.

Os turistas raramente se atreviam a pôr o pé sobre a falésia instável. E, de vez enquanto, surgia a notícia de uma queda do precipício. Joaquim Pargana, escultor, com atelier montado sobre a praia da Maria Luísa, conhece o terreno como poucos se podem gabar. Quando sopram os ventos levante, mete-se pelas arribas à "pesca" das pedras, atiradas para a praia. Munido de martelo, maço e rebarbadora, acentua-lhe as formas e confere-lhes a expressão que a natureza lhes deu. Questionado sobre a divulgação da abertura do percurso, o morador comenta: "Eles bem tentaram impedir a passagem, mas não conseguiram". Mas deixa o aviso quanto à dificuldade do trajecto sobre a falésia: "Não é para qualquer um".

Muitas têm sido as tentativas para condicionar o acesso do público à praia. Os empreendedores, quando adquirem uma parcela de terreno com direito a construção, tudo fazem para tornar privada a língua de areia situada em frente. A ameaça ocorreu na praia dos Tomates, no concelho de Albufeira, e na praia dos Olhos d'Água, o aldeamento Vilas d'Água chegou mesmo a colocar uma portada com cadeado. Na sequência dos protestos dos pescadores, o cadeado desapareceu e ficou apenas o "acesso condicionado" junto à Torre da Medronheira, do lado do posto da Guarda Nacional Republicana. Numa outra entrada existe uma cancela, mas a segurança diz que é "livre" o acesso ao litoral, com passagem por dentro do empreendimento.

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