in Expresso, 23 Mai 2009, Vítor Andrade
As zonas suburbanas de Vila Nova de Gaia, Gondomar, Guimarães, Valongo, Pombal, Leiria, Carregado, Marinha Grande e Setúbal já estão a sentir quebras de preços da ordem dos 50%. “Tenho a certeza de que este efeito se vai fazer sentir em mais zonas do país. Nós que andamos todos os dias no terreno — pois temos perto de sete mil casas para vender — sabemos que é exactamente assim.
Quanto a isso não tenho a mínima dúvida. O mercado vai continuar a cair”, refere João Costa Reis, presidente da Domusvenda. Desde
há alguns anos que a sua empresa se dedica à compra de imobiliário
malparado à banca — casas adquiridas com recurso a empréstimo, cujas
prestações mensais os clientes deixaram de poder pagar. Essas casas
ficam na posse dos bancos que, por sua vez, as negoceiam com empresas
de recuperação de crédito, como a Domusvenda, que tem 80% do mercado.
Acontece que, ao clima de crise generalizado, que afectou também
fortemente o sector imobiliário e o segmento do crédito à habitação,
acresce o facto de o mercado imobiliário estar “inundado” de oferta,
com a procura em clara retracção, como faz questão de sublinhar o
empresário.
Ainda não há muito tempo que a empresa de João Costa Reis demorava em
média três a quatro meses a vender uma casa. “Agora demoramos cerca de
um ano”, diz.
Quanto à quebra dos preços referida, Luís Lima, presidente da
Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de
Portugal (APEMIP), ainda é mais contundente: “Eu não digo que os preços
baixam 40% ou 50% nas zonas mencionadas — o que até pode ser verdade em
alguns casos —, digo é que não há quem compre”.
O dirigente associativo alerta para o facto de Portugal ter já dezenas
de milhares de casas que ninguém quer à volta das principais cidades
que, “daqui a uma década, ter-se-ão degradado tanto que ainda vamos ter
que pagar todos para que sejam demolidas pelo Estado”.
Lembra que se trata de habitações que foram construídas numa altura em
que o acesso ao crédito estava muito facilitado. “Hoje, porém, a banca
não dá crédito nenhum a quem queira comprar naqueles locais”. E
acrescenta que se um jovem casal não tiver pelo menos 20% do valor do
imóvel, “a banca, simplesmente, não empresta. Provavelmente vão
vender-se três ou quatro casas em cada 100 disponíveis”. O presidente
da Domusvenda, que já tem €1,8 mil milhões de dívidas sob gestão (no
segmento da habitação, consumo e empresas), diz que “não estamos apenas
perante uma crise financeira. É mais complicado que isso, pois trata-se
de uma crise social”. Sublinha que há pessoas que chegam a acumular 15
e 16 créditos, e que entram em situações de “total desespero”. A
Domusvenda acaba de criar, aliás, a Fundação Agir Hoje, que tem por
finalidade “ajudar as pessoas em situação de sobreendividamento a
reequilibrarem a sua vida, não só no plano da dívida, mas também do
ponto de vista do equilíbrio pessoal e da estrutura da personalidade”.
A trabalhar consigo, além de gestores, economistas, informáticos e
matemáticos, a empresa tem também advogados e até psicólogos.
A culpa é do divórcio João Costa Reis explica que, no caso da
habitação, a principal causa de incumprimento é o divórcio (incluindo
separações de uniões de facto). “Em 55% dos casos é exactamente assim”.
A segunda causa é o desemprego, que representa 40% das situações.
António Gaspar, director-executivo da Associação Portuguesa de Empresas
de Gestão e Recuperação de Créditos (APERC), acrescenta àquelas causas
as situações de morte e de doença. “Mas o pior de tudo nem se sequer é
isso. O principal problema é a falta de planeamento no momento do
endividamento”. Sublinha que o fenómeno do endividamento ainda não está
consolidado em Portugal, mas, apesar de tudo, “hoje as pessoas pensam
um pouco mais no assunto e fazem mais contas antes de se endividarem”.
O responsável da APERC apela igualmente ao Instituto do Consumidor para
que lance campanhas de profilaxia do endividamento, precisamente para
evitar que muitas pessoas menos informadas cheguem a situações de
desespero por falta de capacidade financeira para suportar os
empréstimos contraídos.
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