in Público Ecosfera, 20.05.2009, Luís Lago
Dois arquitectos portugueses criaram um híbrido entre betão e matéria orgânica, por onde vegetação pode nascer e crescer espontaneamente. Chamam-lhe betão orgânico e afirmam que pode reduzir os riscos de cheias e devolver os espaços verdes aos grandes centros urbanos.
"Essencialmente é um híbrido composto por betão normal misturado com
terra compactada, que permite o crescimento de vegetação", explica João
Ferrão, um dos arquitectos envolvidos neste projecto. O material pode
ser utilizado na pavimentação de espaços exteriores, revestimentos de
rampas e muros de suporte. “Não está pensado para lajes ou outros
elementos estruturais de um edifício, mas tem capacidade de carga
suficiente para que automóveis possam circular sem que o material perca
as suas propriedades”, afirma o arquitecto.
João Costa Ribeiro, o outro criador do betão orgânico, aponta como
principal vantagem deste híbrido a capacidade de absorver e reter água.
"Ao longo dos anos as cidades tornaram-se progressivamente
impermeáveis, aumentando com isso o risco de inundações", explica. "O
betão orgânico é muito permeável e permite contrabalançar esta
tendência".
O arquitecto acredita também que este material pode devolver a natureza
aos espaços urbanos, cada vez mais artificiais. "A vegetação está cada
vez menos presente nas nossas cidades", defende João Costa Ribeiro. “As
calçadas, que permitiam uma mistura entre pavimento e área plantada têm
sido trocadas por materiais de produção industrial, que separam a
natureza daquilo que é artificial”. O betão orgânico será então “uma
forma de fundir a natureza com o inorgânico”.
A ideia surgiu em 2003, quando a empresa de ambos, a Extrastudio,
submeteu a concurso um projecto de remodelação do Father Collins Park,
em Dublin, na Irlanda. Os arquitectos, inspirados na vegetação que
cresce entre as rupturas do asfalto, idealizaram um modo de “misturar
de forma orgânica os edifícios do parque com o resto da paisagem
natural envolvente”, conta João Ferrão. “Queríamos que os caminhos que
ligam os edifícios aos campos circundantes se desvanecessem ao entrar
em contacto com o verde da natureza”. O projecto acabou por não vencer
o concurso mas, no final desse ano, os arquitectos desenvolveram os
primeiros protótipos, em gesso, daquilo que viria a ser o betão
orgânico.
Em 2005, apresentaram um protótipo na quarta edição da
ExperimentaDesign- Bienal de Lisboa, que nesse ano tinha o lema de “O
meio é a matéria”. A participação neste evento despertou a atenção para
o projecto e rapidamente começaram a ser contactados por inúmeros
interessados no material. “Desde arquitectos paisagistas até empresas
com intuitos mais comerciais, todos nos pediam quantidades enormes de
betão, até 10 mil metros quadrados”, conta João Ferrão. As propostas
chegaram “da Alemanha, Inglaterra, China, Brasil, mas acima de tudo dos
Estados Unidos e da Europa do Norte.” As finalidades que cada um dos
interessados queria dar ao material também eram bastante distintas.
“Pediam-nos de tudo, desde parcerias para desenvolver betão com cinzas
incorporadas na Coreia do Sul, até utilizações verticais em fachadas de
edifícios.”
No entanto, os arquitectos viram-se obrigados a recusar todas estas
propostas ambiciosas, pois não tinham ainda os meios para produzir
quantidades tão grandes de betão. “Somos arquitectos, obviamente que
produzir materiais não estava, na altura, dentro das nossas
competências”, diz João Ferrão.
O projecto ficou esquecido durante algum tempo até que, em 2007, a
empresa portuguesa AMOP propôs uma parceria para desenvolver o
material. Depois de vários protótipos e testes, o material será
finalmente aplicado no pátio de uma casa desenhada pelo arquitecto
Gonçalo Byrne, inserida no projecto Vila Utopia, em Carnaxide.
Apesar de já terem o primeiro cliente, os arquitectos ainda estão a
estudar qual a melhor forma de comercializar o material. “Estamos a
discutir com a AMOP se o material será um produto de luxo ou algo que
seja produzido em massa”, diz João Ferrão. Os arquitectos tendem mais
para a segunda alternativa, mas colocam algumas reservas. “Tememos que,
caso o betão orgânico seja vulgarizado, comece a ser mal aplicado”,
esclarece João Costa Ribeiro.
O arquitecto receia que o material tenha o mesmo destino que as grelhas
de enrelvamento, estruturas de betão que também permitem o crescimento
de vegetação no seu interior. “É um produto com potencial, que pode ser
aplicado de forma semelhante ao nosso, mas muitas vezes reparo que é
utilizado de forma errada”, diz. “Há estacionamentos de centros
comercias que, por se localizarem em reservas ecológicas nacionais,
precisam de grelhas de enrelvamento. Mas este material exige manutenção
a longo prazo, é preciso que a vegetação seja regada e tratada. Essa
manutenção é normalmente esquecida e, ao fim de algum tempo as grelhas
tornam-se em nada mais do que betão com terra batida no meio. O betão
orgânico é um material muito mais complexo e necessita também de um
maior cuidado.” Mesmo com estas incertezas sobre o futuro do produto,
os arquitectos acreditam que o material estará disponível no mercado
ainda este ano.
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