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Regresso a L'Aquila Imprimir E-mail

in Público, 13.05.2009, Rui Tavares, Historiador

No fim deste parágrafo vou pedir-lhe que faça um exercício mental. Olhe em seu torno e imagine um sismo durante trinta segundos. Se estiver dentro de casa, dê-lhe força suficiente para fazer cair os livros das estantes ou abrir as portas dos armários. A partir daí, esteja atento. Será que as prateleiras aguentariam? Há rachas nas paredes e que lhes aconteceria? As traves do telhado continuariam no mesmo lugar? É um exercício um pouco neurótico, mas não é um exercício sem sentido. Pronto?

Agora que acabou, espero que tenha ficado moderadamente descansado com o que viu através dos olhos da mente. Mas também é possível que tenha ficado algo assustado. Nesse caso, ler a seguinte descrição não vai diminuir o alarme:

"Betão mal armado: numerosos imóveis de construção recente desfizeram-se durante os trinta segundos que durou o abalo, ao invés de certos velhos palácios do Renascimento que não apresentam mais do que pequenas mazelas. Segundo os primeiros elementos do inquérito aberto pelo procurador local, muitos destes edifícios apresentam graves anomalias. Segundo a imprensa, as suas estruturas foram construídas com quantidades anormalmente baixas de ferro. As normas de construção não foram respeitadas. Foi prometido um inquérito rigoroso, mas será difícil fazê-lo: o tribunal foi destruído, os cadastros dos edifícios desapareceram nos escombros." E mais à frente: "Uma lei pouco ou mal aplicada: apesar de ter sido aumentado o grau de exigência da lei, o lobby das construtoras alegou não estar tecnicamente preparado para cumprir com essas novas normas e conseguiu adiar a sua aplicação".

As linhas que acabou de ler foram escritas pelo Le Monde após o sismo de L'Aquila, que ocorreu faz hoje um mês e uma semana. Mas tudo isto soa demasiado familiar. Gostaria de ter a certeza de que não lerei coisas destas, no futuro, nos jornais portugueses sobre uma cidade portuguesa - mas não tenho.

Ao escrever a minha primeira crónica sobre o sismo de L'Aquila no mês passado prometi a mim mesmo voltar ao assunto quando ele já não estivesse nas primeiras páginas dos jornais. É desagradável fazê-lo em ambos os casos, mas creio que é mais importante agora, porque os sismos não ocorrem apenas quando está toda a gente a ver imagens de um deles na televisão. Acima de tudo, não é nesse momento que melhor nos prevenimos, mas sim aproveitando bem os períodos intermédios.

Creio que é justo dizer que a protecção civil tem feito sempre o seu trabalho em Portugal, esteja ou não o assunto nas notícias, em preparação para o que fazer após a catástrofe. O maior receio, porém, é com o que fazer antes. Na crónica do mês passado, sugeri que os prédios das zonas de risco passassem por um processo de certificação anti-sísmica que permitisse ao cidadão comum saber o que está a comprar ou como deve recuperar a casa onde mora.

Repito essa proposta e aproveito para lhe juntar um apontamento mais geral. Este é o momento certo para o fazer. Estamos em crise, e o grande remédio que nos resta nesta crise é o de investir para defender o emprego e impedir que braços e mentes improdutivas nos deixem enredados numa espiral depressiva. Nos sismos, como na saúde, ou nos bairros suburbanos, a prevenção pode criar mais emprego agora e deixar-nos mais seguros depois. Compensa num primeiro momento e, num segundo momento, talvez compense duplamente. A prevenção será sempre um bom investimento, quer a catástrofe ocorra ou não.

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