in Público, 06.05.2009, Carlos Lage, Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte
As políticas do turismo em Portugal confrontam-se com uma dualidade fundamental, que opõe duas formas distintas de pensar o desenvolvimento turístico. A primeira corresponde à visão clássica de um sector económico - da gestão do negócio e do seu mercado; a segunda consiste em tomar o turismo como "bem territorial" e, simultaneamente, factor de desenvolvimento regional.
Se é verdade que a primeira perspectiva tende a conferir eficiência a
uma actividade, somente a segunda lhe garantirá sustentabilidade e
eficácia. O Programa do Governo estabelece (e bem) que "uma Política Nacional de
Turismo tem de articular o turismo com outros sectores, nomeadamente, o
ordenamento do território, o ambiente, a cultura, o desporto, as
infra-estruturas e o transporte aéreo" e que um dos vectores de
intervenção estratégica passa pela "implementação de estratégias
regionais, autónomas, integradas numa visão nacional". No entanto, a proposta de lei de bases que se encontra actualmente em
preparação não reproduz essa ambição. Bem significativo é o facto de,
nesse texto, os agentes públicos do Turismo estarem confinados ao
sector económico, quando Ambiente e Ordenamento do Território,
Desenvolvimento Regional e Cidades, Cultura e Património configuram
dimensões indispensáveis ao desenvolvimento turístico. O escalão
regional constitui, inequivocamente, um nível de intervenção
fundamental na política de turismo e o seu esquecimento na arquitectura
de base constitui um erro com elevado prejuízo. As Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) possuem
diversas responsabilidades com influência directa no desenvolvimento
turístico regional: na elaboração dos Programas Regionais de
Ordenamento do Território; na gestão de financiamentos comunitários de
intervenções relativas a recursos turísticos e infra-estruturas de
suporte; ou na aplicação da legislação vigente em matéria de Ambiente e
Ordenamento. A CCDR do Norte (CCDR-N), em particular, desenvolveu nos últimos anos
uma Estratégia Regional de Turismo, envolvendo municípios, autoridades
regionais e nacionais, representantes socioeconómicos, e afectou-lhe um
envelope financeiro de 100 milhões de euros, no âmbito do Programa
Operacional Regional do Norte. Ainda recentemente, promoveu com a
Estrutura de Missão do Douro, e a participação do Turismo de Portugal,
Adeturn e o Turismo do Douro, o estabelecimento de um acordo de
cooperação com o Centro Mundial de Excelência dos Destinos Turísticos,
tendo em vista a qualificação do destino turístico do Douro. Quais as
razões por que a CCDR-N tomou este caminho? Porque o turismo é hoje
reconhecido como uma solução - não uma panaceia - para os espaços
marcados pelo declínio de actividades tradicionais, agrícolas ou
industriais, como é o caso da Região Norte. Ora, à futura lei de bases do turismo pede-se que reconheça ao escalão
regional as dimensões estratégica e institucional que lhe são devidas.
Não vale aqui o argumento artificioso de que as CCDR são tuteladas por
um ministério específico que goza de uma espécie de monopólio das
conexões com elas. Esta é uma questão central e um dos pontos mais
sensíveis do estatuto destas instituições regionais: se, por um lado,
as CCDR possuem uma latitude de poderes e de iniciativa que as
convertem em entidades sui generis, difíceis de classificar, por outro,
para os centralistas de todas as cores e paladares, têm o picante de
serem remetidas para a desprezível categoria de "organismos
desconcentrados" e "serviços periféricos de...", que apenas será
superada com a instituição das regiões. Até lá, todas as leituras são
possíveis. Desempenhando as CCDR funções económicas e participando em políticas
com implicações nas dinâmicas económicas regionais e de inovação, é
paradoxal que estejam à margem do Ministério da Economia e Inovação,
com evidentes prejuízos mútuos. Para além de cooperações episódicas,
nomeadamente na criação dos pólos de competitividade e dos clusters
regionais, estende-se o vazio. O caso do Turismo é apenas uma
ilustração de um sistema errado e uma manifestação, entre tantas
outras, absurda, de uma cultura política que perdeu o seu prazo de
validade. Este figurino não serve a ninguém, nem o poder central no seu afã de
ser o único centro de decisões, asfixiante ou ausente, nem as regiões e
a sociedade regional que precisavam de ter a sua própria respiração.
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