in Público, 19.04.2009, Luísa Pinto
À pergunta se estará Portugal preparado para responder a um sismo, Mário Lopes, secretário da Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica (SPES), anda há mais de sete anos a dar a mesma resposta: não! Mas Portugal desenvolveu uma regulamentação anti-sísmica relativamente cedo, com a primeira lei a ter data de 1958 (da primeira, do tempo do Marques de Pombal, que deve ter vigorado cerca de um século, não ficaram vestígios escritos). Mesmo assim, esse "empenho" não o torna um país bem preparado para responder a um sismo como aquele que atingiu recentemente Itália.
Desde 1983 que em todos os projectos de estruturas de edifícios novos é
obrigatório fazer um conjunto de medidas e verificações de cálculo
tendo como base a noção da necessidade das estruturas serem dúcteis -
isto, que tenham capacidade de se deformar, aguentando pressões e
cargas, sem quebrar ou perder a estabilidade. Mas, mesmo que a
legislação fosse cumprida - ninguém sabe se o está a ser ou não, porque
a fiscalização é inexistente -, sobra ainda a preocupação com a
segurança dos cidadãos que vivem na metade do país com maior risco, em
casas construídas sem a preocupação de lhes conferir resistência
sísmica - e que são cerca de 1,5 milhões de habitantes. Os edifícios que foram projectados antes da década de 60, e que não
foram calculados para resistir a sismos, representam cerca de 60 por
cento do edificado da cidade de Lisboa e cerca de 40 por cento do
edificado a nível nacional, de acordo com os censos de 1991 (ver
tabela). E apesar de as chamadas de atenção da comunidade científica
para este problema terem vindo a ser feitas com insistência durante a
última década - os alertas passaram a previsões qualitativas e
quantitativas, com entidades como o Laboratório Nacional de Engenharia
Civil a efectuar simulações - têm vindo a esbarrar no silêncio dos
partidos políticos e do poder executivo. E no desinteresse e
desconhecimento da opinião pública. Foi em 2001 que a SPES, em conjunto com o Grémio das Empresas de
Conservação e Restauro do Património Arquitectónico (Gecorpa), começou
a elaborar um contributo para um programa de redução da vulnerabilidade
sísmica do edificado - programa esse que passava por sete fases,
custaria 25 milhões de euros e que demoraria 25 anos a concluir. Nessa
proposta foram feitos muitos alertas, muitas chamadas de atenção,
muitos cálculos e previsões. Mas, desde então, foi feito "muito pouco,
quase nada" para inverter essa situação, assegura. O responsável da SPES, que é também investigador e docente na área de
Engenharia Sísmica no Instituto Superior Técnico (IST), tem muitos
níveis de preocupações. Em primeiro lugar com os muitos edifícios
antigos, e com o facto de não haver uma política de reabilitação
consistente e alargada, de forma a impedir que as intervenções que já
tenham sido feitas não fossem alvo de nenhum tipo de preocupação nesta
matéria. Há exemplos positivos dados pela administração central, como a
reabilitação do parque escolar que está em curso, ou o reforço na
Assembleia da República (ver texto na página ao lado), mas também há
maus exemplos, como anos de aplicação de programas de apoio à
reabilitação sem aplicação destes cuidados. E desconhece-se o que
contempla o prometido Proreabilita e o regime jurídico de reabilitação
urbana. "Só tenho um indicador, e é negativo: a SPES não foi consultada
para nada", assevera Mário Lopes. O segundo nível de preocupação reside na possibilidade de a actual lei
não estar a ser cumprida: "Impera a lei da selva, em que cada um pode
fazer o que quer", acusa o especialista em sismos. A lei existe, mas
ninguém verifica: nas câmaras, basta a assinatura do engenheiro civil
que assina um termo de responsabilidade em conjunto com o projecto de
estruturas. "Quando houver um sismo é que vamos saber se a lei foi
cumprida e se os edifícios foram reforçados ou não", ironiza. E quais as razões para que não esteja a ser cumprida? É porque os
engenheiros e os arquitectos não estão sensibilizados para o problema?
Os arquitectos ouvem falar do assunto nos seus programas curriculares,
mas sem grande profundidade. Dos engenheiros, apenas aqueles que
escolheram a especialidade Engenharia Civil, em algumas faculdades, é
disciplina obrigatória a quem envereda pela opção de estruturas.
"Bolonha veio sacrificar alguns currículos. Na minha opinião, não só os
engenheiros civis deveriam ter conhecimentos nesta matéria, mas também
os mecânicos e os electrotécnicos, porque as infra-estruturas não estão
preparadas para enfrentar sismos", defende Mário Lopes. Para este
investigador, a principal razão para não fazer aplicar a lei é
financeira: "O acréscimo de custos de um edifício calculado e com
qualidade relativo a outro com fraca resistência sísmica não é muito
grande, mas também não é nulo: são cerca de três a cinco por cento",
enumera. Raimundo Delgado, especialista em Engenharia Sísmica na faculdade de
Engenharia da Universidade do Porto, não enfatiza a questão dos custos,
mas admite que pode haver problemas na aplicação da lei. Também
presidente do Instituto da Construção, Delgado diz ter a noção de que a
fase de construção é menos fonte de problemas do que foi no passado -
"a ideia de que o empreiteiro vai roubar ao ferro para poupar dinheiro,
ou descer a qualidade dos materiais não faz sentido hoje em dia",
argumenta. A fonte do problema reside na qualidade do projecto. "A
importância do projecto estrutural tem vindo a ser desvalorizada, e a
tendência para esmagar os custos nessa fase vai-se repercutir na sua
qualidade", explica, com exemplos. "A lei é aplicada, e fazem-se
cálculos para que as estruturas resistam aos sismos. Mas esses cálculos
são automáticos, utilizando software informático em que é muito fácil
fazer asneiras. A minha experiência, nas muitas verificações que fiz,
demonstra que é o erro de utilização do software que está na maior
parte das causas de erros de projectos que correram mal". O presidente do Instituto Nacional da Construção e do Imobiliário
(INCI), Ponce Leão, que regula este sector, diz que não pode ser só o
projectista a ter estas preocupações, mas toda a cadeia de
intervenientes: dono da obra, projectista, construtor e utilizador.
"Não nos podemos esquecer que também há obras dentro de casa que
danificam estruturas", advoga. Apesar de não ter resposta sobre como e
quem deveria fazer a fiscalização para ver se a lei é aplicada e se
está a haver construção com qualidade, Ponce Leão não deixa de lembrar
que já foi sendo feito algum caminho, e há algumas propostas em cima da
mesa. "Temos de seguir o caminho da responsabilização das empresas e
isso passa pela regulação do sector. Há directivas comunitárias que
apontam para o fim da regulação, e face à situação actual e aos
exemplos que vieram da banca, questiono-me se esta será uma boa altura.
Nos últimos sete anos, a regulação do INCI permitiu que 40 mil empresas
fossem retiradas do mercado. Mas existem 60 mil", termina Ponce Leão . O que pode ser feito?
O programa para a diminuição da vulnerabilidade do edificado é tão
actual como há dez anos. Das sete medidas que preconizava avançou
apenas aquela que diz mais respeito à comunidade científica, que não
parou de aperfeiçoar soluções de reabilitação sísmica. As restantes
esbarraram com a indecisão dos decisores políticos, já que os dois
projectos de resolução apresentados na Assembleia da República ou não
foram votados (porque o governo de Santana Lopes caiu) ou foram
reprovados pela actual maioria socialista.
"Fazer o levantamento da situação actual dos edifícios é muito
importante", insiste Raimundo Delgado, e propõe que o actual sistema de
certificação energética dos edifícios possa ser replicado na área da
resistência sísmica, com todas as transacções imobiliárias a ficarem
dependentes de uma avaliação prévia das condições estruturais das casas
e da sua vulnerabilidade. "Isso ajudava os consumidores a não escolher
gato por lebre, porque compreendo que o cidadão comum, mesmo que peça
para consultar o projecto de estruturas terá dificuldade em perceber se
ele é o adequado ou não", advoga.
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