in Público, 16.04.2009, Inês Boaventura
As acções de reabilitação lançadas pela Câmara de Lisboa "no passado recente" tiveram, segundo o executivo presidido por António Costa, "consequências desastrosas, quer para as populações que habitavam nos edifícios intervencionados, quer para as finanças municipais". As chamadas megaempreitadas, acusa a autarquia, "constituíram-se em megar-ruínas de consolidação de fachadas e de dívidas aos empreiteiros".
Estas e outras críticas constam do Programa de Investimento Prioritário
em Acções de Reabilitação, onde a autarquia conclui que "a prática mais
frequente nos últimos anos foi a aposta nas obras novas, mesmo quando
escondidas atrás da manutenção da fachada". Isto, lamenta o executivo
de maioria socialista, "perdendo-se a imagem urbana coerente do
conjunto, com a descaracterização de uma nova arquitectura, em grande
parte dos casos de ruptura com a envolvente ou de cópia mal conseguida". Quanto a números, diz-se no programa que dos 50 edifícios transferidos
para a Empresa Pública de Urbanização de Lisboa "só cinco foram
reabilitados". A entrega à empresa municipal dos imóveis obrigou ao
realojamento dos seus inquilinos, "uns em fogos municipais, outros em
fogos particulares, ou concedendo apoios financeiros, os quais têm um
custo superior a um milhão de euros por ano". Quanto às três sociedades
de reabilitação urbana, o município afirma que o seu funcionamento,
"sem qualquer trabalho útil produzido (com excepção da Lisboa
Ocidental), custou mais de 14 milhões de euros". "Gestão errática"
Em relação às chamadas megaempreitadas, lançadas por Pedro Santana
Lopes, o executivo de António Costa alega que estava previsto um
investimento de 27,6 milhões de euros e foi feita uma despesa de 23,2
milhões, mas apenas se reabilitaram 33 dos 77 edifícios propostos. No
programa de reabilitação alerta-se ainda para o facto de "dificilmente"
se ir recuperar a totalidade dos montantes investidos, uma vez que na
maioria dos casos se tratou de obras coercivas. O autarca socialista entrega hoje a moradores da Rua do Recolhimento,
freguesia do Castelo, as chaves das casas alvo de obras coercivas com
comparticipação conjunta da câmara e do Instituto da Habitação e da
Reabilitação Urbana, no valor de 1,3 milhões de euros. A intervenção
foi consignada em Outubro de 2004 e devia ter sido concluída em Outubro
de 2005. Mas foi suspensa em Junho de 2006 por falta de pagamento.
Segundo um comunicado da autarquia, trata-se de um edifício do final do
século XIX com cinco pisos e 20 fogos. As obras tiveram como objectivo
"dotar o imóvel de melhores condições de habitabilidade e segurança,
além de suprimir os elementos dissonantes que alteravam a composição
original da fachada" e o realojamento dos seus moradores durante mais
de quatro anos custou ao município 162 mil euros. Num artigo publicado em 2008 no PÚBLICO, a ex-directora municipal da
Conservação e Reabilitação Urbana, Mafalda Magalhães Barros, defendia
que "não sendo o modelo de obra coerciva só por si solução, é um instrumento que a autarquia pode usar em
casos pontuais, sendo ainda uma forma de pressão para que proprietários
façam as obras e procurem os programas RECRIA para o seu
financiamento". A antiga directora municipal entre 2002 e 2005
justificava então a não finalização de algumas empreitadas com "uma
gestão errática que se prolongou pelos anos de 2006/2007" e admitia "as
graves consequências provocadas pelos realojamentos maciços efectuados
nos bairros de Alfama e da Mouraria, decorrentes do estado de quase
ruína do edificado dessas áreas históricas".
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