in Público, 12.04.2009, António Sérgio Rosa de Carvalho, Historiador de Arquitectura
Este título constitui um encore. Com efeito, num artigo escrito há nove anos usei quase o mesmo título, só que em vez de especialista utilizava, então, dermatologista.Nele descrevia o estado das fachadas e coberturas pombalinas que, como que sofrendo de uma grave doença de pele, se encontravam cobertas de caixotes de ar condicionado e caixas técnicas, invadidas por cabos pendurados caoticamente como lianas, suportando discos e antenas.
Como clímax deste atentado, apontava os telhados do Rossio vistos do
lado da Praça da Figueira, qual visão surrealista da Praça Nobre de
Lisboa, juncados de sucata. Passados nove anos, depois de vários
autarcas e de inúmeros estudos, levantamentos, intenções e promessas,
nada foi conseguido e esta decadência só se agravou. Prosseguindo na metáfora do dermatologista, mas alargando o diagnóstico
ao todo mais vasto de que padece o "corpo" pombalino ... poderemos
perguntar ... onde está o "especialista" capaz de dar conta deste
desafio?
Associada a esta decadência física do edificado, está o desprestígio
perante aqueles que nos visitam, o declínio de qualidade nas
experiências e vivências sociais e humanas, provocadas por um assédio
permanente de vendedores, músicos ambulantes, pedintes e outras
actividades obscuras, exercidas por "tribos" organizadas e com
"territórios" estabelecidos. A imagem que poderá ficar de tudo isto, é
a de um povo incapaz de assumir com consciência o seu legado, impotente
na sua preservação, indolente na sua vivência, habitando uma cidade
desertificada, tratada como "terra de ninguém". Algo entre os clichés
caricaturados, como o "Pereira de Oliveira" do Tintim e o "Manuel" de
Fawlty Towers. Agora que se debate a questão da prioridade e da validade das "grandes
obras públicas" em momento de grande crise, será possível encontrar
desígnio e missão mais urgente do que a recuperação patrimonial e o
repovoamento da Baixa pombalina? Aqui temos um verdadeiro desígnio nacional! Só que, meditando no
exemplo também de desígnio que constituiu a Expo, que usufruiu de
equipa e gestão com independência, para garantir a continuidade do
rigor de planeamento e execução, terei que concluir que tão importante
projecto não poderá ficar dependente das vicissitudes e subjectividades
dos ciclos políticos. Assim, parece-me como única solução para este
desafio, a nomeação directamente pelo sr. Presidente da República de um
comissário que, pelo seu prestígio e independência inquestionáveis,
ficará garante perante o país e a cidade da execução deste projecto de
longa duração. O presidente de câmara eleito teria que prestar contas no final do seu
mandato perante o Presidente da República e os habitantes da cidade de
Lisboa, através do seu comissário, do seu trabalho e progressos
conseguidos neste desígnio nacional. Perante casos como a intenção de
demolir o último palacete da Av. Duque de Loulé (nº 35), a inoperância
e a misteriosa irracionalidade da "máquina" camarária atingiram um
absurdo tal que, com relação ao último reduto patrimonial do centro
histórico de Lisboa, a Baixa pombalina, que, embora decadente, mantém a
sua unidade, algo de excepcional se exige de acordo com a urgência,
gravidade e a importância da tarefa. Talvez, precisamente neste momento
de profunda crise económica e institucional, tenha chegado o momento de
nos libertarmos desta "bipolar idade" colectiva, que nos faz oscilar
entre a euforia e o desânimo, exorcizando o nosso culto da fatalidade,
através do reencontro com uma capacidade de realização agora num tema
culturalmente diferente, já demonstrada quando do desígnio da Expo.
|