in Público, 05.04.2009, Inês Boaventura
A Estamo, empresa imobiliária do Estado que detém a propriedade do Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL), no alto do Parque Eduardo VII, está a estudar a sua reconversão com vista à instalação de uma residência universitária e à construção, na área adjacente, de dois equipamentos hoteleiros. Este plano está a ser negociado com a Câmara de Lisboa, que já anunciou a intenção de transformar o edifício da penitenciária, que deverá ser desactivada no fim do ano, para receber estudantes e professores.
Para o terreno com mais de 58 mil metros quadrados do EPL e para uma
parcela contígua com cerca de 16 mil metros quadrados, a Estamo - que é
tutelada pelo Ministério das Finanças - equacionou dois cenários. O
primeiro prevê a manutenção do edifício do século XIX, que consta do
Inventário Municipal do Património, mas o segundo contempla a sua
demolição total ou parcial (com a eventual conservação dos alicerces
para preservar a memória do espaço), para dar lugar a um jardim e a um
conjunto de construções em seu redor.
Em ambos os cenários está presente o desejo, já expresso pela câmara,
de criar uma residência para estudantes, no âmbito do programa
municipal que ambiciona colocar a cidade no mapa dos estudantes
estrangeiros que participam no programa Erasmus. Caso fosse avante o
segundo projecto, a ideia era construir um edifício de raiz para esse
efeito. Nos termos de referência do Plano de Pormenor do Campus de Campolide,
aprovados pela autarquia em Julho de 2008, menciona-se a desafectação
do EPL e a "oportunidade de criação de equipamentos residenciais de
apoio à [vizinha] Universidade Nova de Lisboa", mas nada se diz quanto
à preservação ou não do edifício do século XIX. Ainda assim, declarações públicas do presidente da autarquia, António
Costa, e do vereador Manuel Salgado sobre a matéria deixam entender que
a câmara é favorável à reconversão do imóvel e não à sua demolição.
No caso de ser preservado, o edifício principal do EPL teria de ser
alvo de uma profunda remodelação, que deveria passar pelo reformulação
do espaço das celas actualmente existentes. Neste cenário, a Estamo
prevê a edificação de dois equipamentos hoteleiros - um hotel e um
aparthotel - cada um deles formando um ângulo recto entre a Rua Marquês
de Fronteira e as duas artérias perpendiculares, entre as quais se
encontra a cadeia. Para uma decisão relativa a este processo deverá contribuir o facto de
o Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico
(Igespar) ter em mãos a eventual classificação como monumento nacional
ou imóvel de interesse público do EPL, depois de no início de 2007 a
então Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais ter alertado
para a importância e o valor histórico e patrimonial do edifício. Neste mesmo sentido, a Direcção Regional de Cultura de Lisboa e Vale do
Tejo deverá propor formalmente ao Igespar a abertura de um processo de
classificação do EPL, tendo em conta a sua história e arquitectura, bem
como o valor patrimonial e cultural do espaço. A ir por diante essa
classificação, o edifício, que segundo o Plano Director Municipal,
actualmente em revisão, se situa numa área de equipamentos e serviços
públicos, ficaria praticamente a salvo de qualquer projecto de
demolição. A construção do EPL foi decidida a 1 de Julho de 1867 e a inauguração
decorreu em 1872. O edifício, com uma planta em estrela composta por
seis corpos paralelepipédicos que se desenvolvem em quatro pisos,
inspira-se no chamado modelo panóptico radial, que começou por ser
aplicado numa cadeia em Filadélfia e se alargou a países como Itália,
França, Alemanha e Bélgica.
Alterações de uso têm gerado tensões com a câmara
A desactivação de equipamentos do Estado na cidade de Lisboa e a
alienação dos terrenos para usos diferentes daqueles que lhes estão
atribuídos tem criado nos últimos anos várias situações de conflito
mais ou menos assumidas entre os sucessivos Governos e a autarquia. Desde há uma década, a empresa Estamo, que tem a seu cargo a gestão do
património do Estado, tem procurado vender um conjunto de propriedades
que, no quadro do Plano Director Municipal (PDM), actualmente em
revisão, não são susceptíveis de urbanização. Entre estes encontram-se
unidades hospitalares, equipamentos do Ministério da Justiça como
prisões e tribunais, quartéis e outros imóveis afectos ao Ministério da
Defesa e terrenos sem construção. A este propósito, a Câmara de Lisboa aprovou por maioria, em Maio de
2006, uma proposta do PCP defendendo que se reclamasse junto do Governo
a "interrupção" de eventuais processos de alienação do património
imobiliário do Estado afecto a instalações e equipamentos existentes na
cidade de Lisboa que pudessem implicar mudança de uso, "até que seja
concertado com o município a definição destes". Ontem, o semanário Expresso noticiou que o secretário de Estado do
Tesouro e das Finanças pediu directamente à Câmara de Lisboa a
adequação do PDM aos interesses financeiros e patrimoniais do Estado.
Segundo o jornal, Carlos Costa Pina terá solicitado, para um conjunto
de casos, a alteração do uso do solo para permitir uma valorização de
terrenos ou edifícios na posse do Estado ou da empresa Estamo.
|