in Expresso, 05.04.2009, Fernando Madrinha
Na semana em que mais de 200 imigrantes naufragaram no Mediterrâneo, soube-se que, no Rio de Janeiro, vão ser construídos 11 km de muros com três metros de altura em redor de certas favelas. Vêm reforçar os muros dos condomínios onde já vive grande parte da classe média, e daí para cima, no Brasil de Lula. E têm a mesma finalidade dos muros electrificados de Ceuta e Melilla, enclaves espanhóis em Marrocos, ou dessa outra parede gigante na fronteira dos EUA com o México: manter a pobreza à distância.
Para já não falarmos de Gaza, que os israelitas transformaram numa
prisão com o pretexto dos atentados, todos estes muros de tijolo ou de
cimento cumprem, afinal, o mesmo papel do Mediterrâneo, estrada de
comércio e de intercâmbio de civilizações, mas hoje também convertido
num fosso natural de protecção da fortaleza Europa. Só por isso esta
pode ainda poupar-se a vergonha de pensar também na construção de uma
muralha na sua fronteira sul. Quase 20 anos após a queda do muro de
Berlim, os novos muros que se erguem por todo o planeta são o símbolo
mais eloquente do mundo novo que temos andado a construir. Um mundo de
condomínios fechados onde os ricos e remediados se protegem da miséria
galopante, com o seu cortejo de ameaças.
Os muros nas favelas do Rio anunciam e precedem, muito provavelmente,
outros que hão-de erguer-se por essas grandes cidades, depois entre
países, a seguir entre continentes, perante o mar de miséria que sobe,
quando devia regredir. Se nada for feito — da cimeira do G-20 lá chegou
um ténue sinal de esperança —, esse será o paradigma de que nunca se
fala quando se fala da urgência de um novo paradigma: uma regressão
global inelutável, a nível económico e civilizacional, com o prenúncio
de dias muito pesados.
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