in Público, 02.04.2009, Inês Boaventura
O Ministério das Finanças propôs à paróquia de Campolide a venda, por mais de um milhão de euros, da Igreja de Santo António, um imóvel de interesse público que é propriedade do Estado há quase cem anos e está em avançado estado de degradação. O pároco acha o valor "completamente absurdo" e o presidente da junta considera a proposta "uma ofensa".
O padre João Nogueira conta que em Novembro de 2007 foi enviada para o
ministério uma carta solicitando a criação de uma comissão que
avaliasse o imóvel, para que este pudesse ser adquirido pela Irmandade
de Nossa Senhora do Rosário e Senhor Jesus dos Paços "por um preço
simbólico". A resposta chegou mais de um ano depois, num ofício em que
o Estado informa que o valor de alienação do imóvel, "incluindo os
respectivos anexos, adro e logradouro", é de 1,26 milhões de euros. Nesse ofício da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças diz-se que a
avaliação se baseia no "valor do terreno, adicionado do valor das
edificações, depreciadas em função do estado de conservação e período
de vida útil estimado, incluindo as benfeitorias e trabalhos
ornamentais existentes".
"Para nós é completamente absurdo. Ficámos estupefactos", comenta o
pároco, salientando que o valor proposto nada tem de simbólico. João
Nogueira garante que a irmandade não tem qualquer hipótese de pagar o
montante pedido pelo Estado e lembra que se porventura encontrasse um
mecenas que financiasse a aquisição seria ainda necessário encontrar
quem pagasse as obras necessárias à sua recuperação. Já o presidente da Junta de Freguesia de Campolide classifica a
proposta do Ministério das Finanças como "uma ofensa". Jorge Santos
sublinha que o Estado "tomou posse da Igreja ilegalmente", em 1910,
aquando da implantação da República, pelo que agora devia promover a
sua "devolução aos legais proprietários".
O autarca, eleito pelo PSD, lembra que o imóvel "está a cair de podre",
tendo inclusivamente o acesso a algumas zonas interiores sido vedado
por razões de segurança. A junta prepara-se para interpor,
provavelmente depois do Verão, uma acção no tribunal administrativo
contra o Ministério das Finanças por incumprimento da legislação que
regula as bases da política e do regime de protecção e valorização do
património cultural. A Lei 107/01 estabelece que "os proprietários, possuidores e demais
titulares de direitos reais sobre bens que tenham sido classificados ou
inventariados" têm o dever de "conservar, cuidar e proteger devidamente
o bem, de forma a assegurar a sua integridade e a evitar a sua perda,
destruição ou deterioração". Jorge Santos sublinha que tal não foi
feito e exige que "o edifício seja posto em condições de poder ser
usado sem cair o tecto em cima dos paroquianos" que o frequentam. Também o provedor de Justiça, Nascimento Rodrigues, constatou, em 2006,
o "avançado estado de degradação do imóvel e da área envolvente",
alertando para uma "infiltração grave de águas pluviais", "elevados
riscos de incêndio" e "condições de estabilidade muito duvidosas".
O padre João Nogueira confirma a existência destes problemas e avisa
que a situação se agravou no último Outono, quando uma enxurrada, em
Outubro, "destruiu metade do tecto da sacristia" e "estragou alguns
livros litúrgicos e paramentos". O pároco da Igreja Paroquial de Santo António de Campolide diz que
ainda está "em estado de choque" com o montante que lhe foi pedido pela
aquisição da igreja e acrescenta que o ofício do Ministério das
Finanças só terá resposta quando recuperar da surpresa que lhe provocou. Classificada como imóvel de interesse público desde 1993 e descrita
como um "harmonioso exemplo da arquitectura revivalista da época de
tipologia neo-romântica", a igreja, anexa ao antigo quartel em que
funciona a Faculdade de Economia da Universidade Nova, está há anos "a
cair aos bocados". A paróquia tem--se desdobrado em apelos para travar
a ruína do templo novecentista, tendo até colocado uma faixa lembrando
que o imóvel está classificado e é propriedade do Estado, mas até agora
os resultados foram nulos. "O Estado nunca fez nenhum melhoramento e
nunca comparticipou obras", acusa o padre João Nogueira.
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