in Público, 30.03.2009, Nuno Amaral, Rio de Janeiro
Várias Organizações Não Governamentais (ONG) e a Ordem dos Advogados do Brasil contestam em toda a linha o projecto de construção de um muro de 11 quilómetros em torno de 19 das cerca de 1000 favelas do Rio de Janeiro. A medida, anunciada em Janeiro apenas para a Favela Dona Marta, no Bbairro de Botafogo, vai ser alargada a mais 18 comunidades para "proteger a floresta nativa", informou uma porta-voz do Governo do Estado do Rio.
"Vamos também impedir que, durante a temporada de chuvas, muitas casas
construídas em desfiladeiros ou ladeiras sejam arrasadas por enchentes
ou deslizamentos. O principal objectivo é conter a expansão das
comunidades e proteger a floresta", frisou em declarações à Reuters
Tania Lazzoli, da Secretaria de Obras Públicas. O projecto de construção da barreira foi de novo criticado pela ONG
Rede de Comunidades Contra a Violência, que continua a defender que o
muro "vai reforçar a discriminação de que são alvo os habitantes de
favelas". "O que se fizer será muito semelhante ao que Israel faz com
os palestinianos ou com o que aconteceu na África do Sul durante o
apartheid", expôs ao PÚBLICO o coordenador da rede, Maurício Campos. Também João Luiz Duboc Pinaud, membro da Comissão Nacional de Direitos
Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, considera que a medida vai
apenas reforçar estigmas e evidenciar a flagrante divisão de classes
sociais no Brasil. "Com um muro à volta, tudo fica mais limpo. Os pobres continuam a ser
pobres e supostamente criminosos, lá dentro, da parte de fora, vive-se o glamour das praias do Rio sem favelados a sujar a paisagem", enfatizou Pinaud.
"Não há discriminação"
A porta-voz do Governo do Rio contesta esta acusações: "Não há qualquer
discriminação. Pelo contrário, nós estamos construindo casas para eles
em todos os lugares e melhorando as suas vidas". O muro, com três metros de altura e 11 quilómetros de comprimento, já
começou a ser erguido na Favela Dona Marta, ocupada pela polícia desde
Novembro. Em Abril, deve começar a ser construído ao redor da Favela da
Rocinha, que faz fronteira com a Floresta da Tijuca, a maior mata
urbana do mundo. Quando o projecto foi inicialmente anunciado, em Janeiro, o governador
do Rio, Sérgio Cabral, identificava outra motivação por trás da
construção do muro. Alegou, na altura, que "a prioridade das
autoridades é enfrentar o tráfico de drogas e as milícias, impondo
limites ao crescimento desordenado". O projecto, agora retomado e ampliado, foi também condenado pelo antigo
autarca do Rio de Janeiro César Maia. No seu blogue
(www.cesarmaia.blogspot.com), o antigo responsável considerou que "um
muro sempre dá a ideia de ghetto". Sugeriu que "muito melhor seria uma divisão com uso de vegetação
própria, que cumpriria a mesma função sem que as pessoas se sentissem
dentro de uma casamata".
"Não pode continuar a ser da índole dos brasileiros separar por meios
materiais os bairros mais luxuosos das comunidades mais pobres", notou
César Maia.
|