in Público, 29.03.2009, Alexandra Prado Coelho
Há "largas décadas" que não se constrói um edifício de raiz em Lisboa para um museu. O último, no âmbito do Instituto dos Museus e da Conservação (IMC), foi o de Etnologia em 1975, afirma o director do IMC, Manuel Bairrão Oleiro. Neste momento, há dinheiro e um projecto - do arquitecto brasileiro Paulo Mendes da Rocha - para construir um novo Museu dos Coches em Belém, nas antigas Oficinas Gerais de Material do Exército. Mas a ideia está a transformar-se na grande controvérsia do ano (pelo menos até agora) na área da Cultura.
Na última semana, a discussão atingiu um ponto alto, com um grupo (que
inclui muita gente ligada à museologia) a encabeçar a oposição ao
projecto, e outro (que inclui muitos arquitectos) a defendê-lo. Ambos
os lados têm petições a correr na Internet. Porque é que os Coches
estão a deixar tanta gente zangada?
No fundo, todos estão de acordo num ponto: esta é uma oportunidade para
dinamizar a zona de Belém. Divergem é nas ideias sobre como é que isso
se faz. O arqueólogo e director do Museu Nacional de Arqueologia, Luís
Raposo, e a historiadora de arte Raquel Henriques da Silva decidiram
avançar com uma proposta que revelaram ao PÚBLICO: dos dois edifícios
que compõem o projecto de Mendes da Rocha, o principal, que é um corpo
elevado, poderia ser adaptado a um Museu da Viagem "capaz de evocar a
diáspora portuguesa em toda a sua extensão temporal"; o segundo
edifício, mais pequeno, ficaria afecto ao Museu dos Coches para
"ampliação dos espaços expositivos", ficando "o conjunto mais
emblemático" no actual espaço do antigo Picadeiro Real. A par disso, propõem que se faça um levantamento do parque museológico
e monumental da zona de Belém para elaborar um "plano integrado de
valorização de cada peça e do seu conjunto" que passe, por exemplo, por
potenciar circuitos integrados, através de "percursos pedonais,
bilheteiras comuns, navette de ligação gratuita" para quem apresente os
bilhetes de entrada nos museus ou monumentos. Propõem ainda a
"reabertura do Museu de Arte Popular no seu lugar próprio"; a inclusão
do Museu Nacional de Etnologia na "rede"; a ampliação do da Marinha
para os terrenos a poente e para a Cordoaria Nacional; e a do de
Arqueologia no Mosteiro dos Jerónimos. Regeneração urbana
Aproveitar a oportunidade para "criar espaço público" e lançar uma
operação de "regeneração urbana" é também o que defende o arquitecto
João Rodeia, que é, com a arquitecta Ana Tostões, um dos promotores da
petição a favor dos Coches. Só que, para Rodeia e os signatários dessa
petição - entre os quais se contam figuras como os arquitectos Álvaro
Siza, Eduardo Souto de Moura ou Carrilho da Graça -, o novo edifício,
que foi pensado para os Coches, é fundamental. "Não é apenas um
projecto museológico, é, se calhar, sobretudo, um projecto urbano numa
área da cidade que está expectante e degradada".
Rodeia (que é presidente da Ordem dos Arquitectos mas que sublinha que
não foi nessa qualidade que apoiou a petição) acredita que se criou
"uma oportunidade que não pode ser perdida" e frisa que, "com um custo
de dois mil euros por metro quadrado" - 31 milhões para 15 mil metros
quadrados -,
"este é um projecto barato". Os opositores da ideia concordam que um novo museu para a cidade é
óptimo, mas consideram que o dos Coches é o que menos precisa porque
tem uma colecção que já não pode crescer, ao contrário da maioria dos
outros museus, e porque já é o mais visitado da rede do IMC. "Não é uma
prioridade em termos da museologia nacional e mostra a falta de
estratégia para esta área", diz João Neto, presidente da Associação
Portuguesa de Museologia e subscritor da petição contra o novo museu.
"Aquilo de que necessitamos é de um espaço destinado a grandes e boas
exposições temporárias temáticas, feitas pelos museus portugueses, num
trabalho de coordenação, e que possam ser exportadas da mesma maneira
que nós importamos grandes exposições". Há uma explicação para o facto de o Museu dos Coches atingir o número
de visitantes que atinge. Raquel Ferreira, da empresa turística privada
Cityrama (cujo circuito em Belém inclui Coches-Jerónimos-Padrão dos
Descobrimentos-Torre de Belém), di--lo de forma muito clara: "Num circuito turístico, o tempo tem que ser
todo contabilizado para as pessoas conhecerem o máximo no menor tempo
possível. Os Coches vêem-se em relativamente pouco tempo. Outros
museus, como o de Arte Antiga, o de Arqueologia ou o do Azulejo, já
demoram muito mais tempo". Até exposições itinerantes
E o que vai acontecer, afinal, quando houver o novo museu? Segundo o
departamento de comunicação da Sociedade Frente Tejo, responsável pela
gestão da obra, "o novo edifício vai estar preparado para ter eventos e
até exposições itinerantes de outros museus; foi pensado para ter
multivalências e permitir uma gestão mais ambiciosa do espaço", que
terá cerca de 15 mil metros quadrados, enquanto o actual tem 5700.
Quando ao Picadeiro, "vai receber exposições itinerantes, concertos de
música barroca" e outros eventos.
Silvana Bessone, directora do Museu dos Coches, confirma que a ideia
para o Picadeiro é essa, além de servir para "eventos da Presidência da
República" (fonte da Presidência refere que o espaço já foi usado para
dois jantares oficiais, e que essa situação poderá pontualmente
repetir-se) e manter um "núcleo" simbólico de coches. Mas no que respeita ao edifício novo mostra-se mais cautelosa. "Um
museu como o dos Coches tem frequentemente exposições ligadas às suas
próprias colecções, embora possamos cruzar com peças de outros museus e
de colecções particulares. Existe uma sala para exposições temporárias,
mas dirige-se aos públicos nacionais que já visitaram o museu e que só
voltam para ver essas exposições com temáticas ligadas à colecção".
Abertura a outros projectos, sim, mas, sublinha, "o museu não é um
centro cultural".
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