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Índios guarani invadem praia para travar urbanização Imprimir E-mail

Público, 20.05.2008, Nuno Amaral, Rio de Janeiro

As primeiras cabanas avistam-se desde o luxuoso conjunto de prédios da praia de Camboinhas. Dali vê-se o Pão de Açúcar e a pedra da Gávea. Há cerca de três meses, um grupo de índios guarani montou uma pequena aldeia junto à zona mais nobre, e cara de Niterói, a cidade em frente ao Rio de Janeiro do lado de lá da baía de Guanabara. Dizem que ali há cinco sambaquis (cemitérios indígenas). "Desde 2001 que temos alertado para isso, ninguém nos ouviu. Queriam construir aqui 420 casas e destruir a ecologia destas lagoas e os antigos cemitérios ", explica Isaías, o líder da aldeia.

Em finais de Fevereiro partiram de uma comunidade indígena de Paraty e ergueram cinco ocas junto à lagoa de Itaipu, na praia de Camboinhas. Plantaram uma horta, começaram a pescar e a fazer artesanato. Hoje, há 63 pessoas na aldeia. Com uma coroa de penas na cabeça, Isaías, ou Verá (Relâmpago, em guarani) diz quais são as suas exigências. "Queremos preservar o sambique e implantar um sistema sustentável nas lagoas de Itaipu. Estão aqui as nossas raízes. Esta terra é nossa, não é para a especula-
ção imobiliária". A primeira medida já está na mesa. "Apresentámos um ofício para que esta escola diferenciada seja reconhecida. Aqui, a primeira língua é o guarani. Depois, é o português", diz Uruatá.

A polémica não pára desde que os guarani chegaram. De um lado, estão a Fundação Nacional do Índio (Funai) e os indígenas, do outro os moradores dos prédios de luxo e a Sociedade Pró-Preservação Urbanística e Ecológica de Camboinhas .

"Os índios são aculturados, têm computadores portáteis , mandam e-mail, têm até carro, mas têm nada-
do nus", queixa-se Adriana Souza, da Associação de Moradores. Nas imediações da urbanização vizinha, há seguranças armados junto a um antigo stand de vendas. O projecto foi embargado, o desejo de
construir não. A Funai avançou com uma acção junto do Ministério Público Federal, que vai analisar os argumentos dos guarani, que têm o apoio de antropólogos e de académicos.

Na escola improvisada há um leitor de DVD e um amplificador. Os bancos são de tábua grosseira, o tecto feito de palha. No exterior, passam homens seminus e mulheres de relógio digital no pulso. Uruatá faz rodar um terere (bebida feita com a infusão da erva-mate). Chega outro jornalista. Sorri, apercebe-se do sotaque diferente. É carioca, provocador. "Tu veio pedir desculpa pelo que o teu povo fez, oh portuga?". Verá intercede com outro sorriso: "Nós há muito que perdoámos aos portugueses, que foram vítimas da ignorância da época".

Uruatá mostra-se céptico em relação à intervenção do Estado. "O Governo só assiste, está em cima do mu-
ro". De etnia guajajara, está a terminar uma pós-graduação em Línguas Indígenas na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Antevê um movimento pacífico de índios de várias etnias, unido em torno dos quatro pontos de uma "nova bíblia". "São os direitos consagrados na Constituição Federal; a declaração universal dos direitos dos povos indígenas; o Esta-tuto do Índio; e a lei que estipula a obrigatoriedade da história indígena nas escolas", diz. E avisa: "É provável que acções pacíficas como esta se repitam". A conversa terminou com troca de endereços electrónicos e números de telemóvel.


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