Público, 18.05.2008, Luís Filipe Sebastião
Um loteamento com um hotel e três dezenas de moradias poderá ser viabilizado pela Câmara de Sintra na zona de Monte Santos, segundo uma proposta em discussão pública. O Programa de Acção Territorial de Monte Santos resulta de uma parceria entre a câmara e vários proprietários, reunidos num fundo de investimento imobiliário gerido pelo BCP. A área de intervenção, com 92.880 m2, abrange uma zona verde delimitada pelo pavilhão do Hockey Club de Sintra, Estrada Nacional 247 e antigas oficinas do eléctrico (Centro de Ciência Viva) na Ribeira de Sintra.
O projecto prevê 30 fogos, em moradias isoladas, com até dois pisos e
cave; quatro lojas e um hotel com pelo menos 75 quartos. Uma informação
do departamento de urbanismo municipal esclarece que o programa de
acção territorial tem como principais objectivos a "qualificação urbana
e ambiental de uma área com grande valor paisagístico e biofísico". A
intervenção, ao abrigo do regime jurídico do ordenamento do território,
pretende ainda assegurar "um espaço construído de elevada qualidade
arquitectónica e urbana" e o cumprimento dos parâmetros urbanísticos
para a zona.
O plano de ordenamento do Parque Natural de Sintra-Cascais considera a
zona em "área urbana", de acordo com os perímetros definidos no Plano
Director Municipal (PDM). O Plano de Urbanização de Sintra (de Groer)
enquadra o espaço em zona de quintas, construção espaçada e zona
comercial. A proposta, segundo o departamento de urbanismo, "cumpre
genericamente" as disposições para as classes de construção espaçada.
Cinco dos 32 lotes possuem áreas inferiores ao disposto no plano, mas o
regulamento admite essa possibilidade desde que compensada por outros
lotes maiores e que "a média do tamanho dos lotes seja igual ou
superior à dimensão mínima exigida".
O plano de Groer obriga a plantar uma "árvore de alto tronco" por cada
300 m2. O programa de acção territorial propõe uma dotação mínima do
dobro daquela obrigação, totalizando 550 árvores. No campo do
estacionamento, são propostos 146 lugares privados e 120 públicos. Para
o hotel admitem-se 30 lugares. Uma capacidade hoteleira superior terá
de apresentar lugares equivalentes aos mínimos exigidos no PDM.
As cedências para espaços verdes deviam totalizar 2505 m2, mas apenas
são propostos 955 m2. Os equipamentos colectivos deviam somar 2537 m2,
não sendo proposto qualquer metro quadrado. Por isso, em ambos os
casos, o promotor deve pagar ao município "a compensação urbanística
correspondente".
O gabinete municipal do Centro Histórico - entretanto extinto - deu
parecer favorável à proposta, considerando-a "qualificadora no sentido
"útil da paisagem de Sintra"". O Instituto Português do Património
Arquitectónico e Arqueológico (Igespar) entendeu "não haver
inconveniente na realização do loteamento", por não estarem previstas
construções nas zonas de protecção da Quinta de S. Sebastião
(classificado) e da linha do eléctrico (a classificação). Já o parecer
é omisso quanto à proximidade aos valores patrimoniais e à área
classificada pela UNESCO.
Este aspecto também não é levado em conta pelo parque natural. O
parecer positivo da comissão directiva determina o acompanhamento da
execução dos trilhos e percursos na urbanização. A Estradas de Portugal
emitiu parecer desfavorável devido à implantação de edificações em
áreas de protecção à EN247. Esta entidade, menos de um mês depois, deu
novo parecer favorável, no pressuposto de que "o acesso ao
empreendimento será efectuado unicamente através da estrada de Monte
Santos". A circulação, em frente ao pavilhão do Hockey, é dificultada
pelo atravessamento da linha do eléctrico e ao virar, numa curva
apertada, no sentido de Sintra.
Críticas da oposição O projecto turístico e imobiliário para Monte Santos, pelo impacte
paisagístico junto ao centro histórico, divide opiniões entre autarcas
e associações do património e ambientalistas. "É indecente que esta urbanização avance antes da revisão do Plano
Director Municipal [PDM], uma vez que aquela zona deve ser alvo de
medidas de salvaguarda e de protecção", critica André Beja, deputado
municipal do Bloco de Esquerda. O projecto cria "um anel de betão a
apertar o património mundial" e, em alternativa à construção na zona
tampão da Paisagem Cultural, defende a recuperação de imóveis como "o
antigo Hotel Neto, que está a cair de podre". A formação partidária do
Bloco de Esquerda na Câmara de Sintra fez aprovar, na Assembleia
Municipal, uma moção para que a autarquia disponibilize na sua página
na Internet os planos e os projectos que estão em discussão pública.
A Associação de Defesa do Património de Sintra está a estudar o
projecto. Para já, Adriana Jones salienta que o plano de Groer, embora
tenha preservado o centro histórico, não previu a classificação como
património mundial. Por isso, as intervenções na envolvente "têm de ser
devidamente avaliadas".
"Na revisão do plano de Groer defendemos medidas concretas para a
salvaguarda desta zona de Monte Santos", afirma o vereador Baptista
Alves, acrescentando que "deve ser criada uma zona não edificada à
volta da vila, que garanta o plano de vistas de e para o castelo [dos
Mouros], evitando a continuidade urbana até à Várzea". O autarca da CDU
tem "dúvidas quanto às área e volumetria do hotel" e entende que o
projecto tem que ser objecto de uma avaliação de impacte ambiental.
O vereador com o pelouro do Turismo, João Soares (PS), contrapõe que a
vila precisa de unidades de qualidade, para responder aos pedidos para
congressos. O promotor, frisou, "poderá trocar as moradias por mais
quartos", mas é fundamental que "não esteja sete anos à espera de uma
resposta". Para o presidente da autarquia, Fernando Seara, o projecto
valoriza "a indústria do silêncio" pela proximidade do centro
histórico, que precisa de hotéis de cinco estrelas para combater o
turismo de massas. L.F.S.
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