Público, 18.05.2008
De Chelas e Marvila, na zona oriental de Lisboa, a Pedrouços, já na fronteira do concelho com Oeiras, a frente ribeirinha da capital conta com vários enteados, zonas não abrangidas pelos planos de requalificação do Governo que se cansaram de esperar por promessas de concretização sempre adiada. A Câmara de Lisboa anunciou um plano estratégico para unir estes
parentes pobres aos seus irmãos mais ricos. Resta saber se será algo
mais do que uma sigla impronunciável.
Os contentores em Marvila
A maldição tem surgido acompanhada de siglas impronunciáveis. As ruas
tristes de Marvila e do Beato alegrar-se-iam por milagre se o PUZRO
(Plano de Urbanização da Zona Ribeirinha Oriental) visse a luz do dia.
Na realidade o plano já foi alvo de reparos das autoridades que
superintendem ao ordenamento do território e o que os habitantes desta
zona da cidade têm de mais certo é verem toda a já deprimente paisagem
que os rodeia semeada de pilares para sustentar os acessos à nova
ponte. O rio é uma miragem que os contentores das actividades
portuárias impedem de fruir. E o Parque das Nações ali tão perto...
Uma barreira para chegar ao rio
No aterro da Boavista, entre o mercado da Ribeira e a Av. D. Carlos, as
promessas de fortuna têm 30 andares de altura, na forma de uma torre
desenhada pelo arquitecto Norman Foster para marcar o centro de um
empreendimento que se algum dia surgir terá jardins e equipamentos
culturais, além de habitação e comércio. O sonho dá pelo bizarro nome
de UOP 10 (um jargão municipal correspondente a unidade operativa de
planeamento) e espera plano de pormenor para se desenvolver, mas a via
de alta velocidade e a linha ferroviária cortam o acesso desta parte da
cidade ao rio, apesar dos projectos que muitos arquitectos já
idealizaram para vencer tais obstáculos. À medida que o tempo passa, os
únicos desenvolvimentos visíveis relacionam-se com o desaparecimento do
património industrial em que esta zona é profícua, por derrocada quando
não por demolição devidamente autorizada.
Um projecto até 2013
PUA também não é nome que se chame a ninguém, mas foi assim que os
técnicos camarários resolveram designar o futuro plano de urbanização
de Alcântara, outro parente pobre da zona ribeirinha disputado no
entanto com ferocidade entre Governo e autarquia, cada uma destas
entidades com planos próprios para o local e de costas viradas uma para
a outra. As vantagens do anunciado enterramento do ramal ferroviário
têm como reverso da medalha a grande ampliação do terminal de
contentores à beira-rio. Tudo obras para estarem prontas em 2013.
Enquanto isso os planos para reconverter a antiga fábrica Sidul
continuam a marcar passo, tal como o projecto do arquitecto Jean
Nouvel, recentemente galardoado com o mais importante prémio da
arquitectura mundial, para defronte da estação de comboios de
Alcântara-Mar.
De projecto em projecto
A zona da Docapesca, em Pedrouços, é mais um parente enjeitado da
frente ribeirinha. Em 2003 eram tudo rosas: Portugal iria organizar o
famoso torneio de vela America"s Cup e aproveitaria para reconverter a
zona. Ele era marinas, restaurantes, espaços verdes, esplanadas,
habitação, escritórios... Foi nesse pressuposto que foram corridas da
Docapesca as empresas que alugavam os seus mega-armazéns frigoríficos e
que a única lota de Lisboa fechou. Os comerciantes de peixe, esses
foram transferidos para um sítio também de sigla pouco atractiva, o
MARL (Mercado Abastecedor da Região de Lisboa), situado em Loures.
Parte das empresas de congelados ainda recorreu ao tribunal, mas as
sentenças foram-lhes desfavoráveis, dada a urgência da superior missão
de reconversão da Docapesca. Quando Espanha ganhou a Portugal a
organização do America"s Cup o Governo apressou-se a garantir que a
reconversão iria mesmo assim por diante. Quatro anos e meio depois tudo
continua na mesma, embora entretanto já tenham surgido novas promessas
para o local, desta vez da administração portuária, que anunciou um
PPML - Plano de Pormenor da Marina de Lisboa, com um "extenso parque
urbano" e "pólos lúdicos", além da zona de náutica de recreio. Resta
aos lisboetas esperar que a iniciativa privada da Fundação Champalimaud
seja mais célere e ali surja um dia destes o centro de investigação do
arquitecto Charles Correia, um projecto virado para as ciências médicas
que contempla um anfiteatro ao ar livre com vista para o Tejo e zonas
ajardinadas ao longo do rio onde todos possam passear.
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