Público, 18.05.2008, Ana Henriques
Considerada pelo Governo de interesse nacional, a operação tem de ficar pronta até Outubro de 2010, mas os prazos já começaram a derrapar e o orçamento é menor do que o previsto
Ainda não arrancou mas já perdeu 20 milhões de euros de orçamento. O plano inicial para a reabilitação da frente ribeirinha de Lisboa previa obras no valor de 165 milhões, mas a resolução do Conselho de Ministros publicada esta semana em Diário da República não vai além dos 145 milhões. Por outro lado, continua por decidir o destino dos terrenos da Docapesca, entre Pedrouços e Algés.
Tinha sido prometido que também esta frente de rio iria ser alvo de
investimento por parte do Governo, tal como vai acontecer com as zonas
entre Santa Apolónia e o Cais do Sodré e entre Belém e a Ajuda. Mas o
advogado encarregue pelo Executivo de liderar o processo, José Miguel
Júdice, não foi, até ao momento, incumbido da tarefa. Desde o início de
2004 que os terrenos da Docapesca, entre os concelhos de Lisboa e
Oeiras, se encontram à espera de um projecto que permita que a
população usufrua deles. Os planos para ali criar um parque urbano à
mistura com habitação, equipamentos e náutica de recreio não passaram
do papel, e a única certeza que há nesta altura relaciona-se com a
implantação do centro de investigação da Fundação Champalimaud, do
conceituado arquitecto Charles Correia.
Alvo de críticas do presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, que vê na
decisão uma discriminação relativamente ao resto do país, a aposta na
zona ribeirinha lisboeta é justificada pelo Governo com o seu
"inequívoco interesse público nacional". Porquê? Por estarem em causa
locais emblemáticos para todo o país: desde logo, o Terreiro do Paço,
que se quer revitalizar sem deixar de o manter majestático, e o Museu
dos Coches, a unidade museológica mais visitada ao nível nacional. Só
que o tempo escasseia. Toda a operação de reabilitação devia estar
pronta até Outubro de 2010, uma vez que a meta são as comemorações do
centenário da implantação da República. Convidado há um ano pelo
primeiro-ministro, José Sócrates, para dar a cara por aquela que alguns
encaram como podendo vir a ser a obra de regime, Júdice continua por
empossar à frente da sociedade de reabilitação da frente ribeirinha,
detida a cem por cento pelo Estado. Quer esta entidade quer a nomeação
do advogado precisam do aval do Presidente da República, que se mostrou
preocupado com a possibilidade, aberta por um outro diploma do Governo
- que ainda não promulgou -, de pedaços significativos das frentes
ribeirinhas passarem para as mãos das autarquias, com todo o risco de
especulação imobiliária associado.
Prazos
São claros os cronogramas de Júdice, que trabalhará a título gracioso,
e da sua equipa, que passará a receber um salário. O processo de
transferência do Museu dos Coches para um novo edifício a construir de
raíz, junto à estação ferroviária de Belém, já devia ter arrancado em
finais do ano passado. Se tudo correr bem, a partir de 2010 os
visitantes poderão aqui apreciar não só os coches até agora exibidos
junto ao Palácio de Belém, como também aqueles que, por falta de espaço
no actual museu, permanecem em Vila Viçosa. Novembro do ano passado era
igualmente a data apontada para o arranque de várias outras
transformações, como a libertação dos pisos térreos do Terreiro do
Paço, onde está prevista a instalação de comércio e esplanadas, e a
transferência do Ministério da Administração Interna, cujo edifício
será transformado num hotel, para outra ala da praça.
Confrontado com o problema, Júdice tem respondido sempre da mesma
forma: com o tempo que resta, só será feito o que for possível, com a
promessa de que não vai acelerar obras para ficarem mal feitas, nem
pagar preços acrescidos para cumprir prazos. A resolução do Conselho de
Ministros deixa entrever isso mesmo, ao determinar que sejam apenas os
"projectos fundamentais das diversas operações" de reabilitação a
"estar concluídos por ocasião das comemorações do centenário da
República".
E quais são eles? Além das intervenções do Terreiro do Paço (9,5
milhões, sem projectos) e no Museu dos Coches (38,8 milhões), foi
eleita como prioritária a transformação dos quatro hectares entre o rio
e o edifício da Marinha na Ribeira das Naus - espaço vedado ao público
- em zona verde. É mesmo ao lado do Terreiro do Paço, e uma maneira de
facilitar o atravessamento dos peões até ao rio pode passar por
condicionar a movimentada Av. da Ribeira das Naus a transportes
públicos, impondo-lhes limites de velocidade muito baixos. Será que os
militares aceitam tamanha invasão territorial? Depois das negociações
que encetou com uma panópolia de gente - vereadores, ministros,
responsáveis das transportadoras e também militares -, Júdice mostra-se
optimista. As ressalvas que surgem no diploma publicado em Diário da
República no que a terrenos militares diz respeito sugerem, no entanto,
que nem sempre vai ter a vida facilitada de cada vez que quiser
devolver à cidade espaços ocupados pela instituição castrense.
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