O Provedor de Justiça, Nascimento Rodrigues, defende a necessidade de alterações legislativas no sentido de ser reconhecido e uniformizado o direito de indemnização e o direito de expropriação aos proprietários afectados por restrições excessivas ao direito de propriedade.
Entre as situações denunciadas pelo Provedor está a "pendência de expropriação" por reserva de espaço para construção de infra-estruturas, nomeamente em planos directores municipais e planos de expansão da rede rodoviária. Nestes casos, embora não seja formalmente feita a declaração de utilidade pública, o proprietário fica desde logo afectado quanto ao uso e ao valor do seu imóvel, sem direito a qualquer compensação.
Comunicado da Provedoria de Justiça
O Provedor de Justiça tem vindo a identificar situações de verdadeira expropriação antecipada de solos urbanos a partir de queixas apresentadas por pequenos e médios proprietários. São casos em que estes são confrontados com a afectação do seu terreno a um fim de utilidade pública, mas não recebem indemnização alguma. Sofrem quase todas as desvantagens da expropriação sem beneficiarem dos direitos que lhe assistiriam caso fossem formalmente expropriados. Em Recomendação dirigida ao Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, Nascimento Rodrigues defende a necessidade da introdução de alterações legislativas no sentido de ser reconhecido e uniformizado o direito de indemnização e o direito de expropriação aos proprietários afectados por restrições excessivas ao direito de propriedade. O estudo do regime jurídico aplicável aos vários tipos de restrições legais e regulamentares do direito de propriedade – nomeadamente disposições dos planos urbanísticos, servidões administrativas e medidas preventivas – denunciou uma manifesta falta de uniformidade e a existência de graves lacunas com significativas repercussões negativas no património dos particulares e no correcto ordenamento do território, agravando-se as situações de abandono dos solos, de desertificação e de insalubridade.
"Os vínculos de inedificabilidade, ou mesmo de impossibilidade de utilizar o bem para outro fim, de duração indefinida ou excessiva, constituem uma medida de efeito equivalente à expropriação", considera o Provedor de Justiça. Por isso, propõe o estabelecimento de um prazo razoável – que poderá ser de três anos - para que seja reconhecido o direito à indemnização pelos prejuízos sofridos depois de impostas as restrições à utilização dos solos e sem que tenha sido declarada a utilidade pública. O direito a reclamar a expropriação do bem afectado deveria acontecer num prazo, também razoável, que poderá ser de cinco anos, até porque a expropriação pode apresentar-se como um mal menor para os proprietários, que passam a dispor de mais garantias.
Observaram-se, ao longo de vários anos, casos de proprietários sacrificados por tempo excessivo, ficando privados ou muito diminuídos no aproveitamento económico dos seus terrenos, sem que as autoridades competentes executem o plano ou definam o destino concreto a atribuir ao imóvel. Noutras situações, as limitações e os condicionamentos são de tal ordem que representam um significativo esvaziamento do direito de propriedade.
Entre os casos apresentados ao Provedor de Justiça encontram-se, por exemplo, a destinação de certa parcela, por força de plano director municipal, à instalação de equipamento escolar, sem que viesse a ser concretizada, e após o reconhecimento, por parte da Direcção Regional de Educação de que já não seria necessária a totalidade da parcela afectada (o que resultou na privação de aproveitamento do imóvel durante mais de uma década); uma reclamação quanto à classificação aleatória de um prédio, por plano de ordenamento de área protegida, como corredor de passagem de animais bravios, inviabilizando todo e qualquer aproveitamento do solo (apesar de não se prever qualquer compensação em face da desigualdade de tratamento relativamente a parcelas limítrofes com igual aptidão); várias situações de reserva de parcelas urbanas durante longos períodos de tempo para construção de vias de comunicação, nomeadamente auto-estradas; a recusa do reconhecimento do direito a reclamar a expropriação por parte de proprietário de moradia unifamiliar afectada pela execução de uma nova estrada, por a legislação apenas reconhecer este direito no caso de impedimento de novas construções, ignorando a situação das construções pré-existentes que se situam na mesma faixa de proibição edificatória e que poderão constituir, igualmente, obstáculos à segurança de pessoas e bens; a omissão, durante uma década, na elaboração de plano de pormenor previsto em plano director municipal, que era utilizada como motivo impeditivo para o indeferimento de pedido de licenciamento de construção.
Diversas situações analisadas surgiram antes da entrada em vigor do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (1999), que, neste aspecto, é muito restritivo. A instituição de mecanismos de perequação entre proprietários (por rateio das vantagens concedidas a uns e privações impostas a outros), ao fim de nove anos, continua apenas no papel para a maior parte dos municípios. O novo regime da responsabilidade civil do Estado e dos municípios (2007) não contemplou esta questão, deixando-a expressamente de fora.
Nos exemplos citados, a expropriação pode apresentar-se como um mal menor para os proprietários, que passam a dispor de amplas garantias. Mas a legislação está elaborada em termos demasiado restritos e sem que existam critérios uniformes. Não inclui muitas situações em que, apesar de não haver declaração de utilidade pública de expropriação, o proprietário se depara com as mesmas consequências que daí decorreriam, embora sem poder valer-se de uma indemnização justa.
Em alguns dos casos, o proprietário aguarda vir a ser privado do bem e, por isso, indemnizado, mas não sabe quando nem por quanto. Até que a resolução de expropriar seja dada a conhecer, será tempo perdido, do ponto de vista patrimonial, nada auferindo durante o compasso de espera – de meses, anos ou mesmo décadas – e continuará obrigado ao cumprimento dos deveres tributários (como sejam o pagamento do imposto municipal sobre imóveis e a taxa de conservação de esgotos), deveres de conservação e deveres impostos por relações de vizinhança.
O legislador de há 50 anos já se dera conta de como poderia revelar-se injusta a reserva de expropriação por tempo indefinido. Assim, o Regulamento das Estradas e Caminhos Municipais (1961) e o Estatuto das Estradas Nacionais (1949) reconhecem ao particular o direito a ser indemnizado e o direito a ser expropriado decorridos que sejam, respectivamente, três ou cinco anos após o início da vigência do impedimento. Porém, os diplomas mencionados cingem-se a algumas categorias de obras rodoviárias e nunca foram objecto de alargamento a outro tipo de obras, enquanto, muito pelo contrário, cresceram exponencialmente as formas de intervenção pública nos solos e o plano urbanístico generalizou e multiplicou os condicionamentos ao aproveitamento dos bens fundiários.
A análise feita aos vários tipos de restrições legais e regulamentares do direito de propriedade privada de solos urbanos também evidenciou diferenças assinaláveis em matéria de servidões administrativas. Consoante o seu tipo (por exemplo, servidões relativas a estradas, linhas férreas e servidões militares e aeronáuticas) verificaram-se divergências e lacunas, ora sobre a duração das servidões e sobre as regras da sua constituição e publicidade, ora no tocante ao termo exigível para que se constitua o dever de indemnizar ou o direito a requerer a expropriação na esfera jurídica dos afectados. Não estando sujeitas a nenhum prazo, as servidões provisórias significam, na maior parte dos casos, a proibição de levar a cabo obras de construção ou de ampliação nos locais sujeitos à servidão e podem revelar-se mais gravosas do que as medidas preventivas, já que estas caducam logo que decorrido o tempo para vigorarem e que não pode exceder dois anos, salvo prorrogação por mais um. É possível constituir servidões provisórias com base em meros estudos prévios ou em simples despachos que ordenam a realização desses estudos, o que o Provedor de Justiça considera de duvidosa conformidade com a proibição constitucional da proibição do arbítrio. Uma situação que assume maior gravidade por não se encontrar estabelecido qualquer termo certo para a sua vigência. "Ora, se a razão de ser do impedimento resulta da necessidade de evitar que as circunstâncias de facto sejam alteradas enquanto se conclui o projecto final e decorre o procedimento de constituição da servidão definitiva, seria de prever a caducidade por termo ou condição, sob pena de as servidões provisórias, paradoxalmente, se perpetuarem e, na maioria dos casos, sem qualquer reparação patrimonial", conclui Nascimento Rodrigues na Recomendação ao Governo.
Nota: O texto integral da Recomendação está disponível no sítio da Provedoria de Justiça, através da seguinte ligação: http://www.provedor-jus.pt/restrito/rec_ficheiros/Rec4B08.pdf |