Público, 29.04.2008, Luísa Pinto
O projecto foi apresentado na ausência do presidente da Câmara Municipal de Lisboa, mas com uma delegação de peso do Governo: primeiro-ministro, ministro das Obras Públicas e secretária de Estado dos Transportes estiveram ontem em Alcântara para anunciar o fim do "bloqueio" ao nível ferroviário, rodoviário e portuário que ali existe. Com o projecto Nova Alcântara, um investimento de 407 milhões de euros, a pagar por várias entidades, o Governo quer levar a cabo intervenções em várias frentes, no terreno e no leito do rio, até 2013.
No final das intervenções, Alcântara terá um terminal de contentores
com quase o quádruplo da actual capacidade, uma linha ferroviária
desnivelada, a construir em túnel, entre o terminal e a Linha de
Cintura. Uma nova zona de acostagem e de operação de barcaças também
fazem parte do projecto. Está ainda prevista uma ligação fluvial entre
o terminal de contentores de Alcântara, concessionado à Liscont (ver
caixa), e a plataforma logística de Castanheira do Ribatejo.
Dos 407 milhões de euros previstos para o investimento, a principal
fatia será assegurada pela empresa privada que está a explorar a
concessão do terminal de contentores: 227 milhões de euros. O restante
investimento será assegurado pela Administração do Porto de Lisboa e
pela Rede Ferroviária Nacional, que investirá cerca de 59 milhões de
euros.
Ligação em túnel
A ligação ferroviária da Linha de Cascais à Linha de Cintura, em túnel,
irá permitir, segundo a informação ontem disponibilizada, a
continuidade dos serviços urbanos de passageiros entre as duas linhas e
a construção de uma nova estação subterrânea em Alcântara-Terra. O
Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações estima uma
procura para a Linha de Cascais, com aumentos na ordem dos 39 por
cento, de 41,8 milhões de passageiros, em 2017, contra os actuais 30
milhões (acréscimo de 11,5 milhões de passageiros).
Entre os benefícios que esta intervenção irá trazer, a nível nacional e
internacional, será, segundo o Governo, um conjunto de ligações
directas de todo o corredor Cascais--Oeiras à zona ocidental da cidade
e à Linha de Cintura, "permitindo ganhos de tempo e acréscimos de
conforto substanciais", como frisou a secretária de Estado, citada pela
Lusa.
"As pessoas não têm que sair de um comboio e andar bastante a pé para
apanhar outro comboio, porque vão ter ligações a qualquer estação de
metro que esteja ligada à Linha de Cintura, vão poder chegar
directamente à Gare do Oriente e futuramente ao novo aeroporto de
Lisboa e a Setúbal, também com prazos bastante razoáveis e com
conforto", revelou. Comparando os tempos hoje realizados entre Cascais
e Sete Rios, por exemplo, estima-se uma redução do tempo de viagem em
cerca de 30 minutos.
Carmona Rodrigues diz-se "chocado"
Ex-ministro das Obras Públicas, ex-presidente da Câmara de Lisboa e
actualmente vereador independente, Carmona Rodrigues conhece bem as
questões relacionadas com o porto de Lisboa e os seus projectos de
expansão. E disse, ao PÚBLICO, estar "chocado" com a "forma
inacreditável" como o Governo tem vindo a tomar "decisões estruturantes
para a cidade" sem ouvir a autarquia.
A câmara lisboeta não esteve representada na cerimónia de apresentação
do projecto Nova Alcântara e Carmona Rodrigues diz que soube do assunto
pelos jornais. "Acho incrível que os órgãos da cidade não sejam
auscultados, e é ainda mais incrível ver o presidente da câmara a dizer
que "tem indicações de que não se trata de um novo terminal, mas sim de
um rearranjo do mesmo"", notou o vereador, que questiona: "Mas o
presidente da câmara não sabe o que se está a passar?"
E o que se está a passar? "O Governo está a decidir o Nó de Alcântara,
como decidiu a terceira travessia [do Tejo], à margem da cidade",
responde Carmona Rodrigues. "Mais valia a senhora secretária de Estado
admitir que, afinal, as Autoridades Metropolitanas de Transportes não
são precisas para nada, porque é isso que tem demonstrado", criticou o
ex-ministro.
Tendo o próprio Carmona Rodrigues apresentado um projecto na câmara a
que presidiu para o local, e depois de se ter manifestado publicamente
contra a intenção do porto de Lisboa em ampliar as suas instalações de
Alcântara para aumentar a sua capacidade, o actual vereador adivinha
"alguma proximidade às propostas" que já foram feitas. E, se não tem
dúvidas em considerar "interessante" as propostas de desnivelamento
ferroviário, manifesta preocupação com a extensão da área que vai ser
concessionada à Liscont, que pretendia ampliar o terminal de
contentores até à doca de Santos. "Sempre defendi, enquanto ministro,
que a operacionalidade do porto aumentaria com a desburocratização e
com um melhor aproveitamento de espaços", lembrou, questionando, ainda,
os aumentos de procura previstos para a Linha de Cascais, e o pesado
investimento que terá de ser feito para substituir todo o material
circulante daquela linha. L.P.
|