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Obras portuárias de Sócrates esbarram na Presidência da República Imprimir E-mail

Público, 26.04.2008, Luísa Pinto

A transferência da propriedade de terrenos das administrações portuárias para as autarquias, nomeadamente em Lisboa, está a criar tensão política e dúvidas administrativas

Apesar de ter demonstrado, por várias vezes, a vontade de acelerar a constituição da sociedade Frente Tejo para promover a reabilitação urbana da frente ribeirinha de Lisboa, e de permitir que José Miguel Júdice possa assumir formalmente a função para o qual foi convidado há mais de um ano, o Governo ainda não enviou para a Presidência da República os diplomas necessários para promulgação. O PÚBLICO confirmou junto de Belém que o decreto-lei que constitui a Frente Tejo SA, sociedade anónima, e os seus respectivos estatutos, aprovado há mais de uma semana em Conselho de Ministros, ainda não foi enviado para Cavaco Silva.

Nem esse nem qualquer dos diplomas legais que venham a permitir a transferência de terrenos sob jurisdição das administrações portuárias para a alçada municipal, e que já mereceram aquele que foi considerado como o primeiro veto político presidencial às iniciativas do Governo. Como ontem avançava o semanário Sol, Sócrates quer fazer na frente ribeirinha a sua "obra de regime". Mas até agora ainda não conseguiu convencer Cavaco Silva da bondade das suas propostas (ver texto em baixo).

Em causa está uma série de intervenções de reconversão urbanística na frente ribeirinha de Lisboa, que o Governo gostaria de ver concluídas para as comemorações do centenário da implantação da República, em 2010. Porém, a forma como o processo se tem vindo a desenvolver está a criar tensão em termos políticos, e também a levantar dúvidas em termos administrativos. Foi a 17 de Janeiro que o Conselho de Ministros aprovou o decreto-lei que estabelece o destino a dar aos bens imóveis desafectados às administrações portuárias. Na semana seguinte assinava com a Câmara de Lisboa um protocolo de intenções onde concretizava a forma de passagem das áreas da frente ribeirinha de Lisboa da Administração do Porto de Lisboa (APL) para a gestão da autarquia.

Porém, sem nunca terem sido oficialmente divulgadas as dúvidas que foram levantadas, a Presidência da República devolveu o decreto do Governo. E este até agora ainda não enviou qualquer resposta ao pedido de esclarecimento ou novas formulações. Antes optou por continuar a aprovar, em sede de Conselho de Ministros, novos diplomas e resoluções: nomeadamente a resolução que aprovou os objectivos e as linhas orientadoras do plano estratégico da reabilitação da frente ribeirinha de Lisboa e o decreto-lei que constituiu a sociedade anónima de capitais públicos Frente Tejo, SA. As resoluções não têm de ser promulgadas, mas todos os decretos tem de passar pelo crivo do Presidente. "Se não é um desrespeito pela Presidência da República, como votou o PSD na assembleia municipal, é sem dúvida uma forma de pressionar Belém com a política do facto consumado", afirmou ao PÚBLICO um catedrático em direito administrativo.

Em termos administrativos, José Miguel Júdice está à espera da aprovação de Cavaco Silva para poder tomar posse formalmente como presidente da Frente Tejo SA, para a qual já tem equipa constituída, previsão de orçamento [vai consumir até 2010 quatro milhões e 400 mil euros em despesas de funcionamento] e mesmo algum trabalho efectuado.

Numa entrevista publicada no Diário de Notícias, o ex-bastonário da Ordem dos Advogados informou ter promovido, em Janeiro último, uma reunião com o que chamou de "comité de sábios" para debater uma solução para reabilitar o Terreiro do Paço, e que todos concordaram na ideia de que este espaço deverá ser uma "praça de aparato". Júdice esclareceu que ele e a sua equipa têm vindo a trabalhar, "discretamente", desde há um ano, com a Parque Expo e com o vereador do urbanismo, Manuel Salgado. Na próxima segunda-feira, Sócrates vai presidir à cerimónia de apresentação do novo nó ferroviário de Alcântara.

Problema de Lisboa extensível a todo o país

"Eu vou requalificar um espaço urbano. Se esse espaço é domínio camarário, marítimo, portuário, é indiferente". Ao Diário de Notícias, José Miguel Júdice referiu-se assim à indefinição da propriedade dos terrenos da frente ribeirinha de Lisboa, e admitiu que abandonaria a missão caso Cavaco Silva não promulgue o decreto-lei que vai constituir a sociedade.

A constituição de uma sociedade com as características de muitas que existem como as Polis é de difícil veto presidencial, apesar da jurisdição dos terrenos não estar ainda resolvida. Depois de Cavaco Silva ter devolvido o diploma que estabelecia o destino a dar imóveis desafectados às administrações dos portos por não terem utilização portuária reconhecida, o Governo ainda aprovou, segundo o semanário Sol, um novo "regime jurídico aplicável às parcerias públicas e públicas privadas, com vista à gestão municipal ou intermunicipal das áreas sem utilização portuária exclusiva reconhecida", sem, no entanto, também o ter ainda enviado para promulgação. Esta proposta não consta, sequer, dos habituais comunicados dos Conselhos de Ministros que elencam as iniciativas aprovadas, como o PÚBLICO ontem confirmou.

Se está a haver algum secretismo e tensão na discussão destas questões, ela é justificada pela sensibilidade do tema. A Presidência da República não estará tanto preocupada com as questões concretas que vão acontecer a Lisboa, mas sim com o precedente que se abre no país. Belém teme que a passagem dos terrenos do domínio público marítimo para as autarquias possa abrir uma caixa de Pandora noutros municípios e portos, nomeadamente por causa dos apetites imobiliários. L.P. 

 

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