expressoimobiliário.pt, 12.04.2008
À segunda foi de vez. Depois da primeira eleição ter sido anulada, o arquitecto João Belo Rodeia venceu pela segunda vez as eleições à presidência da Ordem dos Arquitectos. Agora à frente dos destinos dos profissionais da arquitectura, João Rodeia em entrevista ao Expresso revelou as principais preocupações da profissão e as estratégias definidas para a actividade e exercício da Ordem nos próximos anos.
Qual o futuro da Ordem dos Arquitectos depois de ter vencido a segunda volta sem qualquer dúvida?
A Ordem nos próximos três anos vai procurar implementar o programa que foi sufragado na eleições e que assenta fundamentalmente em duas áreas. Uma é a refocagem da Ordem no exercício profissional, sobretudo quando se pensa que a dimensão dos problemas de hoje émuito distinta do que era alguns anos atrás. A outra é a necessidade de re-infra-estruturar os serviços nacionais da Ordem exactamente porque sem esses serviços infra-estruturados não é possível essa refocagem no exercício profissional.
O que é que os arquitectos podem esperar da Ordem para o futuro da profissão?
Tentámos na campanha de eleição dizer sempre que iríamos iniciar um
ciclo novo. Não tanto por recusar um passado, porque julgamos que nas
grandes
instituições como a Ordem o trabalho é continuado e há inovação. Mas
considero que esse ciclo novo tem muito a ver com as novas condições
distintas em que se exerce a profissão. E é em função delas que nós
respondemos. Mas aquilo que altera é a escala das coisas, dos desafios.
De haver hoje 16 mil arquitectos e as expectativas que esses
arquitectos têm em relação ao mercado de trabalho, às encomendas, em
relação ao modo como exercem a sua profissão nas várias áreas, desde os
projectos dos edifícios até ao planeamento territorial e urbano. Ou
seja, vamos tentar iniciar este novo ciclo em cada um destes sectores e
noutros progressivamente. Esperamos que ao fim de três anos haja
trabalho para mostrar e demonstrar e que a nossa aposta foi sobre o
exercício profissional. Procurando melhorar as condições que os
arquitectos trabalham.
O que é mais urgente mudar ou alterar na profissão ou na arquitectura em si?
No exercício da arquitectura é fundamental alterar o enquadramento
jurídico. E vamos sempre parar ao mesmo problema que se arrasta há 40
anos, que é a substituição do 73/73, ou seja, já não há hoje
justificação para que esse decreto não seja substituído e para que as
pessoas que façam arquitectura sejam os arquitectos. O pressuposto de
que outros fizessem está perfeitamente ultrapassado. Essa é uma questão
de princípio e fundamental para os arquitectos. Mas depois dessa há
todo um conjunto de outras situações ligadas ao enquadramento jurídico
que têm vindo a ser alteradas e nós vamos procurar que essas
alterações, com intervenção sempre que possível da Ordem, vão ao
encontro da qualificação e melhoria do exercício profissional dos
arquitectos. Seja directamente nos actos próprios da sua profissão seja
directa ou indirectamente no fazer da sua profissão. Nos projectos dos
edifícios por exemplo, em toda a regulamentação que é cada vez mais
complexa e que implica umoutro grau de responsabilização. Mas
fundamentalmente procurar que os arquitectos tenham mais e melhores
condições para trabalhar. Mas a própria substituição do artigo 73/73 ou
até as alterações à lei das acessibilidades têm levantado algumas
críticas por parte dos arquitectos.
O que é que a Ordem pode fazer para participar mais activamente na alteração desses diplomas legais?
A Ordem tem sido ouvida nas várias alterações que têm vindo a ser
feitas na legislação. Acreditamos que a Ordem tenha um papel cada vez
mais de antecipação em relação à legislação. Não apenas de
acompanhamento mas tenha capacidade de propor legislação
e para isso mais uma vez é necessário estar infra-estruturado e é
necessário haver grupos de trabalho e estrutura interna que tenham
capacidade de resposta à questão da legislação.
Considera que a Ordem não teve até aqui um papel activo para intervir nessas alterações jurídicas?
Seria injusto dizer que a Ordem não tentou. Às vezes teve bons
resultados e outros menos bons. Mas de facto, a questão de fundo
continua a ser amesma, é ter internamente na Ordem uma estrutura,
recursos humanos para conseguir responder mais atempadamente e com
forma e conteúdo mais apropriado.
Mas a Ordem com a nova estrutura pode ainda intervir e alterar alguns desses regulamentos?
As alterações que têm vindo a ser introduzidas na legislação, no fundo
vão ao encontro do que está a ser feito na Europa. Seria inevitável que
um dia este corpo jurídico ligado à construção e ao fazer arquitectura
fosse cada vez mais complexo e aliás, a responsabilidade do arquitecto
será maior. Será uma maneira da profissão se afirmar mais. Nesse
aspecto, será através da responsabilização que a profissão se afirma.
Não é essa a questão, mas já que se está amudar então que se mude bem e
que se clarifique melhor todo o corpo jurídico. Não tenho é a certeza
que nos últimos tempos isso tenha vindo a ser conseguido mas vamos
tentar que esse corpo jurídico seja mais unificado. As queixas que me
chegam é que as pessoas consideram que a legislação é contraditória
entre si. O importante é que existam estes grandes códigos e que sejam
mais unificados e mais coerentes e é por aí que a Ordem vai acompanhar
e na medida do possível ter um papel activo nesse processo.
Há quem considere que os jovens arquitectos estão afastados da Ordem.
Como vai conseguir captar e interessar esta camada jovem da profissão?
Não é só um problema dos jovens nem da Ordem. Infelizmente as
instituições têm esta dificuldade em mobilizar os seus membros. Há na
verdade essa constatação e vamos tentar enfrentar esse problema. Não há
uma única resposta, haverá uma rede de pequenas soluções que vai
procurando trazer cada vez mais pessoas para junto da Ordem. E a Ordem
são as pessoas, são os arquitectos e eles têm de pensar que a Ordem não
é uma coisa fora deles mas algo que significa todos os arquitectos em
conjunto. Isto passará pela questão principal que é os arquitectos
começarem em sentir que a Ordem existe para defender e promover a
profissão, passa pela melhor comunicação, chegar mais junto das
pessoas, passa por melhores serviços e benefícios sócio profissionais,
passa pela Ordem conseguir implementar eventos que acolham o desejo de
participação dos arquitectos. Passa por tentar melhorar o acesso às
encomendas e às oportunidades de trabalho. Será umconjunto de coisas
que em rede poderá fazer com que os arquitectos e as pessoas se
aproximem da Ordem.
Existe alguma preocupação com a saída de muitos arquitectos das
Universidades e com a dificuldade que sentem em entrar no mercado de
trabalho? A Ordem está atenta?
Não há uma única resposta para esse problema. Aliás, a Ordem não tem
esse papel ligado às questões do emprego. Mas claro que não pode ficar
indiferente a esse problema. E não é só dos jovens, também há
desemprego nos mais velhos. Nos anos 90, apesar de tudo os arquitectos
conseguiam emprego nos ateliês que existiam ou na administração
pública. Esta geração mais recente afirmou-se em concursos públicos.
Mas isso foi alterado em muito pouco tempo. Em primeiro lugar, os
ateliês não têm dimensão nem em quantidade para absorver o número de
pessoas que saem das escolas. Em segundo a administração hoje já não
emprega, até tem desempregado. Em terceiro lugar tem havido poucos
concursos públicos abertos. Portanto há um grande problema de acesso
destas gerações mais novas ao mercado de trabalho. Não há uma única
resposta, tem de ser uma resposta em rede. Tem de se tentar equacionar
novas saídas profissionais, tem de se tentar pensar não só neste
rectângulo nacional mas ao nível da União Europeia e mesmo global.
Existe já uma quantidade de portugueses que estão em Angola ou no
Brasil. E isto é uma realidade e ainda por cima pode-se trabalhar aqui
para o resto do mundo. Há a questão de tentar oferecer por parte da
Ordem uma bolsa de oportunidades de trabalho. Centralizar a informação
disponível sobre o trabalho. Pode-se também tentar melhorar o acesso à
encomenda, quer a pública que essa é a mais óbvia, ou seja o Estado
deve voltar a ter concursos abertos que todos podem participar. Também
o privado está cada vez mais aberto a soluções deste tipo. Falava há
pouco de novas tipologias de trabalho. Não há uma única resposta mas
haverá várias possibilidades que conjuntamente podem melhorar a
situação.
Mas há muitos arquitectos em Portugal?
Neste momento, o rácio em Portugal comparativamente com a Europa é
elevado. Se bem que há países com rácio bastante mais elevado. Mas a
verdade é que continuam a existir em Portugal zonas em que há poucos
arquitectos, a grande concentração continua nas áreas metropolitanas.
Vamos para o interior e ainda há câmaras municipais sem arquitectos. Se
pensamos numa dimensão mais global nunca haverá excesso de arquitectos
o que não há ainda são as oportunidades suficientes para esses
arquitectos que querem trabalhar e não conseguem.
A internacionalização dos arquitectos portugueses é uma realidade,
principalmente de grandes nomes da arquitectura. Considera que o
estatuto que alguns alcançaram tem sido o motivo principal para que
tantos jovens queiram seguir a profissão?
O que posso dizer sobre isso é que houve várias conversas ao longo dos
últimos tempos sobretudo durante o período eleitoral sobre esse tipo de
questões. E posso dizer que entre a altura que me licenciei, que foi na
primeira metade dos anos 80, e até agora, houve uma alteração enorme no
modo como a arquitectura e os arquitectos se afirmaram em Portugal. E
na altura, a maioria das pessoas nem sabiam muito bem o que era um
arquitecto, haviamuito pouca informação nomeadamente nos jornais sobre
arquitectura. Havia uma dificuldade em encontrar um livro em português
ou uma revista. Hoje, basta ir a uma banca e percebe-se a importância
que a arquitectura tem, quer na perspectiva mais erudita quer no
quotidiano. Há hoje uma grande vontade em noticiar e em falar sobre
arquitectura e dos arquitectos. Naturalmente, esta afirmação da
arquitectura portuguesa também se deve a esses nomes. Não se reduzem a
eles mas deve-se a essas pessoas que se distinguiram, como noutras
profissões, como osmelhores entre os melhores. E trouxeram grande
visibilidade para a sua obra nacional e internacional e naturalmente
por arrasto, tornarem visível também a arquitectura portuguesa e os
outros arquitectos. Tenta-se opor os mais famosos aos menos famosos mas
há uma interajuda, porque a notoriedade dos maiores ajudam aqueles cuja
obra também não é notória. A qualidade alimenta a importância dos
melhores entre os melhores.
O reconhecimento público de alguns arquitectos eleva-os e à própria arquitectura, a um protagonismo de estrela...
Também é verdade, todo o mundo está muito construído para uma espécie
de protagonismo individual. Todos nós vamos ter de ser estrelas nas
várias áreas profissionais. Mas digo o que refiro sempre aos meus
alunos, em primeiro lugar os arquitectos existem para servir a
comunidade e para fazer bem aquilo que fazem e desse modo melhorarem as
condições de vida, os quotidianos das pessoas naquilo que é mais
fundamental que é o habitar, individual, familiar, o colectivo. Acho
que esse é o grande serviço que prestam, construir um território mais
ordenado e servir melhor as pessoas. É claro que se conseguirem chegar
mais longe depois deste patamar, melhor. Mas é fundamental que tenham a
consciência de que a profissão tem este objecto de procurar, delimitar
espaços e suportes das pessoas.Oestrelato é importante à posterior e
não «a priori». Adquire-se pela notoriedade e porque o trabalho merece
essa notoriedade. Não se nasce assim.
Por vezes este protagonismo serve para que em diversas obras públicas
convidem determinados nomes consagrados. Será uma utilização dos
arquitectos?
A utilização dos arquitectos é umpreço que se paga por essa
notoriedade. Mas não é mau. Porque de algum modo as cidades, as
autarquias e não é só cá mas em todo o mundo, já se aperceberam que de
algum modo a arquitectura pode e deve ser um recurso de
desenvolvimento. Uma das facetas desse desenvolvimento hoje em dia é o
turismo e a atractividade das cidades. E nessas duas componentes o
arquitecto tem uma palavra a dizer. Vamos ser francos, quem vai ao
Parque das Nações penso que não haverá ninguém que não vá passear por
baixo da pala do Siza do Pavilhão de Portugal. Há ex-líbris e sempre
houve, todas as cidades têm os seus monumentos e sempre foram
protagonizados pelos arquitectos.
Por falar nesse protagonismo, também se acusa muitas vezes de grandes
obras arquitectónicas serem pouco funcionais. Até que ponto faz sentido
esta acusação de falta de funcionalismo em muita da arquitectura?
Não há que ter dúvidas que a arquitectura concilia sempre ética com
estética. Ou seja, por um lado tem esse sentido de serviço à comunidade
em que os problemas, as funções têm de estar resolvidos mas isso não
existe sem a dimensão estética. A beleza é fundamental no fazer da
arquitectura, no construir do território. Mas não é fundamental por nos
afastar do real mas pelo contrário, para nos aproximar do real. Ou
seja, a dimensão estética existe para se poder escutar melhor o mundo
em que se vive.
Considera que existe alguma rivalidade entre o papel do arquitecto e do engenheiro?
Para os arquitectos hoje em dia não é sequer uma questão. Noutros
tempos talvez houvesse alguma rivalidade, mas a verdade hoje em dia há
sobretudo, entreajuda. E a mensagem que tenho tentado transmitir é que
quanto mais a arquitectura for reconhecida melhor é para os engenheiros
e quanto mais e melhor for reconhecida a engenharia melhor é a
arquitectura. Essa entreajuda deve continuar. Também há dimensão
estética na engenharia.
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